Javier Salazar Calle - Ndura. Filho Da Selva стр 10.

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Perdido, desanimado, desiludido e quase desmaiando de cansaço e sono. Não sabia o que fazer. Por fim, por puro automatismo, enterrei a lata que havia jogado no chão e me levantei para seguir andando, ainda que agora a um ritmo muito mais tranquilo, deixando-me levar, quase arrastando os pés. Fui andando e parando intermitentemente até que dessem oito horas da tarde. As paradas eram cada vez de maior duração, os momentos de andar cada vez mais curtos. Fazia de cajado a vara que havia usado contra a serpente, assim descarregava a pressão do joelho lesionado, ainda que nesses momentos já nem sentia as pernas. Andar por andar, sem tentar sequer fixar bem o meu rumo, no fim das contas, não sabia com certeza como fazer e quase podia dizer que não me fazia diferença. Por que tive que convencê-los a vir aqui, por quê? Nunca escutava ninguém, sempre tendo que prevalecer minha vontade. Veja para onde me trouxe minha vontade de controlar tudo, de mandar em tudo. Juan, idiota, por que saiu correndo dessa maneira, se suicidando? Isso era culpa sua, eu não tinha nada a ver com isso. Culpa sua. Sua.

Quando não consegui mais, comi uma das caixas de marmelo inteira e bebi a lata que sobrou, escondendo todos os restos, inclusive uma das duas mantas que estavam comigo. Para que queria duas? quanto menos peso carregar, melhor. Ademais, me davam muito calor e quando carregava a mochila tinha a impressão de que estavam assando minhas costas, levando a camiseta permanentemente grudada ao corpo pelo suor, o que produzia uma sensação incômoda. Também havia começado a ter uma sensação constante de enjoo, possivelmente porque estava desidratado. Não me estranhava, os refrescos matavam a sede no momento mas não ofereciam muita hidratação. O efeito ioiô, como chamava um colega do colégio, dizia ele, por causa do açúcar.

Como estava anoitecendo e não tinha vontade de voltar a dormir tão incomodamente em uma árvore, busquei um lugar um pouco resguardado, com a terra seca, fabriquei um magro colchão de folhas e galhos verdes, me aconcheguei coberto com a pequena manta como pude e com a mochila como travesseiro e dormi. Havia passado meu primeiro dia inteiro na selva e já estava mais do que farto, rendido e com vontade de que isso terminasse de qualquer maneira.

DIA 3

SOBRE COMO COMEÇA O MEU SOFRIMENTO

Algo estava me atacando, sentia como me picava por todo o corpo. Levantei-me de um salto, totalmente desperto de modo súbito e gritando. Olhei para minhas mãos e estavam cobertas de formigas avermelhadas com a cabeça muito grande, meu corpo estava completamente coberto delas. Picavam-me por todos os lados. Tirei a roupa, quase arrancando-a, comecei a esfregar o corpo com as mãos, a saltar, a me agitar e retorcer como o rabo de um lagarto, dando gritos e gemendo de dor. Algumas entravam pela minha boca, me obrigando a cuspir de vez em quando, e outras pelo nariz, nas orelhas, por toda parte. Era como se um enxame inteiro de abelhas houvesse decidido me atacar ao mesmo tempo. Pouco a pouco consegui me desvencilhar das formigas, mas demorei uns dez minutos até que notei que nenhuma mais corria impunemente pelo meu corpo. Por onde havia estado deitado, passava uma coluna interminável de formigas9. Tinha o corpo vermelho dos golpes que me havia aplicado para arrancar as formigas e cheio de pontos ainda mais vermelhos que as picadas recebidas por esses malditos insetos. Tudo me ardia, e tanto, que não sabia por onde começar a me coçar. Ainda que não houvesse nenhuma sobre mim, de vez em quando me dava a impressão de notar como se algo se mexesse por algum lado e voltava a me agitar convulsivamente.

Quando dominei um pouco minha frustração, peguei a mochila e sacudi também todas as formigas, e fiz o mesmo com a manta e com a roupa que havia atirado ao chão.


Calcei apenas os tênis e o resto guardei na mochila. Agarrei umas pedras e uns ramos e os atirei com raiva sobre a organizada coluna, enquanto insultava as formigas. Durante um momento perdi o controle, a ira me invadiu. Sim, as formigas tinham culpa de tudo, tinha que acabar com as formigas, elas me haviam levado a esta estúpida situação e iriam pagar por isso. Pisei nelas mais uma vez e mais outra, frenético, como que possuído por um ardor de destruição irrefreável. Algumas subiam pelas minhas pernas picando-me novamente, mas já não sentia nada, a dor havia deixado de existir por um momento. Um solitário pensamento em minha cabeça: acabar com as formigas. Sapateava, pisoteava sobre as que estavam no solo e esmagava com fortes tapas as que tinha pelo corpo, massacrando-as contra minhas pernas, meus braços ou meu peito. Durante uns minutos essa foi a minha única guerra, meu único mundo: pisadas, golpes com a mão, gritos de fúria, de frustração contida durante tempo demais. Um Guliver furibundo destruindo o mundo de Lilipute. Assim que me afastei uns passos, desmoronei no chão e fiquei um tempo como se estivesse ausente, totalmente abandonado à minha sorte, cego ao que ocorria ao meu redor, ignorante de qualquer outra coisa que não fosse o nada, o vazio interior. Ao final, reagi. Durante a noite me havia parecido ter ouvido o murmúrio de uma corrente de água por perto, então fui procurá-la, nu, apático, tremendo, com o corpo todo ardendo, cajado na mão e mochila no ombro. Atrás de mim, uma miríade de formigas amassadas e muitas outras correndo ao redor em seu baile particular de desorganizada loucura.

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