— Pare, pare! — ela cuspiu, o medo estampado em sua pele pálida. — Vou levá-la até a oficina dele.
Theo era de uma natureza rara o suficiente para que, quando ela encontrava pessoas normais na rua, respeito ou medo se tornavam uma reação normal. Afinal, nem todos possuíam a habilidade de manipular a mecânica com magia.
A mulher a conduziu em meio aos adornos extravagantes da sala, das estantes cheias de tomos encadernados em couro à mesa e cadeiras de mogno ao lado de um armário exibindo copos de cristal e decantadores de licor fino. Este não era um lugar destinado a rufiões como ela.
Os passos de Theo ecoaram pelo corredor, as botas de sola grossa feitas para pisadas fortes, ao contrário do clique silencioso dos saltos da mulher que a guiava para uma porta dupla no final do corredor principal. Seus cachos soltos faziam cócegas no pescoço, irritando-a o suficiente para tirá-los do caminho antes que parasse na frente das portas da oficina. Sua própria agitação ameaçou borbulhar assim que ela pisou dentro daquele cômodo. A atendente se inclinou e inseriu uma sequência numérica. Uma série de zumbidos e cliques se seguiram até que a fechadura se abriu.
— Pode ir. — disse Theo, desviando das anáguas da mulher para agarrar a maçaneta. — Tenho certeza de que posso me guiar daqui. — para dar ênfase extra, ela balançou os dedos na direção da atendente, o que teve o efeito desejado de fazê-la correr.
Se senhoras e cavalheiros a tratavam como uma aberração, ela poderia muito bem colher os benefícios.
A porta emitiu um sussurro enquanto ela a abria e entrava em meio ao vapor que beijava suas bochechas e metal em chamas que fazia cócegas em seu nariz. Éter de cor de absinto borbulhava em tubos que alinhados na sala. A fonte de energia não apenas servia como combustível, mas também lançava raios de luz para aumentar a fraca oscilação que as projeções escuras ofereciam. Uma grande bancada de trabalho ocupava toda a parede dos fundos, e cada centímetro de superfície da monstruosidade estava coberto de projetos.
O tique-taque dos relógios ecoava pelo lugar, vindo de pelo menos seis fontes diferentes, e rolos de plantas e desenhos cobriam, por completo, prateleiras das três estantes que se elevavam ao longo da parede direita. Engrenagens, pias, polidores e brocas estavam espalhados, metade no chão, metade na mesa, sem ordem específica. Em meio ao caos da sala, um homem debruçado sobre a mesa de trabalho, mergulhado no pescoço em seu último projeto.
— Silas, sei onde está o seu autômato perdido. — Theo gritou, a voz ecoando pela sala.
Os ombros do homem ficaram tensos, e ele baixou tudo em que estava mexendo antes de girar em seu banco para encará-la. Seus cabelos de cor vermelho-ferrugem brilhavam com a enorme quantidade de vapor que bombeava pela sala, e ele ergueu os óculos com as lentes de aumento para colocá-los sobre a cabeça. Sorriu ao encontrar o olhar dela, a quantidade de arrogância em seus olhos castanhos escuros fazendo o temperamento dela chegar ao ponto de ebulição. O homem era bonito demais para o seu próprio bem, mas Theo se recusava a ser influenciada.
— Bem, bem, o que eu fiz para uma das garotas Whitfield me fazer uma visita? — ele ergueu uma sobrancelha grossa, o arco elegante deixando seus traços definidos mais perfeitos. — A última vez que a vi, querida Theo, seu empregador solicitou minha consulta sobre uma situação porque você se recusava a admitir sua total falta de conhecimento sobre o assunto.
Os dedos dela se fecharam em punhos. Os dois cresceram em Islington, até mesmo se metendo em brigas nas ruas na adolescência, mas à medida que envelheceram, ele se tornou cada vez mais insuportável. Após tornar-se um Artesão de Ofício, e ela encontrar trabalho como Tecnomante, uma faz-tudo, seus caminhos continuaram a se cruzar, uma e outra vez. Infelizmente, dar um soco na cara dele bem em seu local de trabalho faria com que seu pagamento fosse reduzido, e ela precisava de cada centavo para os tratamentos da mãe.
— Quer falar de total falta de conhecimento? — ela gritou. — Onde está o último modelo de sua linha de criadas mecânicas?
Os olhos dele brilharam de irritação. Ele se encostou na mesa de trabalho e cruzou os braços sobre o peito, era um dos poucos que não temia a espécie dela.
— Em que confusão a sua irmã se meteu dessa vez?
Theo se irritou.
Embora ele estivesse certo, das duas garotas Whitfield, ela era a certinha enquanto a irmã começara a roubar com uma naturalidade que preocupava mamãe até não poder mais. Ela não gostou do deboche no tom dele.
— Quer recuperar o autômato que ela roubou ou não? — ela perguntou, pronta para sair daquela sala infernal ocupada pelo homem que se tornou um pesadelo em sua vida profissional, bem como irritante a nível pessoal.
— Você a trará de volta aqui esta noite, ou darei o nome de sua irmã ao comissário. — ele respondeu, mantendo os olhares nivelados.
Apesar da firmeza na voz dele, sombras rastejaram sob seus olhos e a barba de três dias que cobria seu queixo implicava que o desaparecimento lhe causou mais problemas do que ele jamais admitiria. Ele mexeu em uma de suas abotoaduras, o movimento constante traindo seus nervos.
— Esse é o problema. — Theo engoliu em seco, um buraco se formando em seu estômago. — Ela desapareceu antes mesmo de fazer a entrega da sua criada mecânica.
A batida parou.
— Então, veio até mim por quê? — Silas perguntou, a voz cortante.
A maneira faminta com que ele a olhava sugeria que ela estava pisando em terreno perigoso.
No entanto, Theodosia Whitfield adquiriu o hábito de pisar em territórios delicados.
— Porque eu posso pegar seu autômato de volta, entregá-lo sem ninguém saber o que houve. Apenas preciso da sua ajuda. Para ser mais específica, preciso de sucata do material que usou para o criar, assim poderei rastreá-lo. — ela ergueu o queixo e olhou para ele.
Ele pode ser mais alto e ter desenvolvido mais músculos do que o necessário por trabalhar muito com forja, mas ela lançava um gancho de direita dos bons e conhecia os pontos fracos dele. Se chegassem a uma luta, ela ainda apostaria nela mesma.
— O que recebo em troca? — ele perguntou, um sorriso irritante voltando ao rosto. — Porque eu tenho as plantas, sempre posso fazer uma nova. No entanto, você só tem uma irmã.
Theo deu um suspiro, sem se preocupar em esconder a irritação.
— Você teria a satisfação de ser um homem decente pela primeira vez.
Silas bufou.
— Isso não é, nem de longe, uma troca. Ofereça-me algo que valha a pena.
Theo não deixou de notar a maneira como os olhos dele se demoraram nela, ou o calor queimando neles.
Ele pode ser um homem mais bonito do que a média, com o tipo de corpo como o de um ferreiro, que faz a maioria das mulheres cair em sua cama — e muitas caíram —, mas ele tinha a personalidade de um nabo em conserva.
Theo pousou as mãos nos quadris enquanto o olhava, recusando-se a aceitar a implicação flagrante que ele colocava por trás de suas palavras. Ela deveria tirar a expressão presunçosa daquele rosto e apenas roubar a sucata, danem-se as consequências.
— Um favor. — ela disse, por fim. — Dentro da minha capacidade profissional. — ela enfatizou a palavra profissional para dissipar quaisquer ideias que ele pudesse estar desenvolvendo.
Quanto mais cedo ela pudesse adquirir a sucata e dar o fora de lá, melhor. Pelo que sabia, a irmã podia estar sangrando em um beco.
Silas bateu na lateral do queixo como se estivesse meditando sobre a proposta, como se já não tivesse tomado a decisão.
— Embora um favor seu possa ser útil, subcontratamos muitos tecnomantes. Não vou entregar minha sucata e apenas esperar que você traga nosso autômato. Vou negociar um favor seu, se eu for junto nessa busca por sua irmã.