A voz de Emily estava fraca e acanhada. “Humm, bem, uns seis meses”.
“Nossa, preciso te ligar mais vezes!” Jayne arfou.
Emily podia ouvir o tráfego ao fundo, as buzinas dos carros, o baque surdo dos tênis de Jayne enquanto ela corria ao longo da calçada. Isso evocou uma imagem muito familiar em sua mente. Costumava ser aquela pessoa há apenas alguns meses, sempre ocupada, nunca descansando, o celular grudado no ouvido.
“Então, o que há de novo?” Jayne disse. “Conte-me tudo. Imagino que Ben esteja fora do jogo?”
Jayne, assim como todos os amigos e familiares de Emily, nunca gostou de Ben. Eles conseguiam ver o que Emily não conseguiu por sete anos – que ele não era o cara certo para ela.
“Com certeza, fora do jogo”, Emily replicou.
“E há alguém novo?” Jayne perguntou.
“Talvez...” Emily disse, tímida. “Mas é novo e ainda um pouco instável, então, prefiro não correr o risco de estragar as coisas falando a respeito”.
“Mas eu quero saber de tudo!” Jayne gritou. “Ah, espere. Tem outra ligação”.
Emily aguardou na linha, que ficou muda. Alguns segundos depois, o barulho da manhã da cidade de Nova York preencheu seus ouvidos novamente, quando Jayne se reconectou.
“Desculpe, amiga”, ela disse. “Tive que atender. Era do trabalho. Então, ouça, Amy disse que você está com uma pousada aí, ou coisa assim?”
“Ah-han”, Emily replicou. Sentiu-se um pouco tensa falando sobre a pousada, já que Amy havia deixado tão claro que era uma ideia estúpida, sem mencionar que toda aquela mudança na vida de Emily era considerada uma má ideia.
“Há algum quarto disponível no momento?” Jayne perguntou.
Emily foi pega de surpresa. Não esperava a pergunta. “Sim”, disse, pensando no quarto agora abandonado pelo Sr. Kapowski. Por quê?”
“Quero ir!” Jayne exclamou. “É o final de semana do Memorial Day, afinal. E preciso desesperadamente sair da cidade. Posso fazer uma reserva?”
Emily hesitou. “Não precisa fazer isso, sabe. Pode vir e ficar como visita”.
“De jeito nenhum”, Jayne replicou. “Quero o tratamento completo. Toalhas novas todo dia. Ovos e bacon no café da manhã. Quero vê-la em ação”.
Emily riu. De todas as pessoas com as quais havia falado sobre seu novo empreendimento, Jayne foi a que demonstrou mais apoio.
“Bem, então, deixe-me fazer sua reserva”, disse. “Por quanto tempo pretende ficar?”
“Não sei, uma semana?”
“Ótimo”, Emily falou, uma pequena onda de alegria tomando conta dela. “E quando vai chegar?”
“Amanhã de manhã”, Jayne disse. “Por volta das dez”.
A onda de alegria aumentou ainda mais. “Certo, espere um momento enquanto cadastro seus dados”.
Um pouco tonta pela animação, pôs o celular na espera e correu até o computador na mesa da recepção, onde se logou no programa de reservas e digitou os dados de Jayne. Ela se sentiu orgulhosa por ter, tecnicamente, enchido a pousada todos os dias desde que abriu, ainda que só tivesse um quarto, e ainda que tivesse aberto há apenas dois dias...
Correu novamente até seu celular. “Certo, você já tem uma reserva para uma semana”.
“Muito bom”, Jayne disse. “Você me parece muito profissional”.
“Obrigada” Emily respondeu timidamente. “Ainda estou pegando o jeito. Meu último hóspede foi um desastre”.
“Você poderá me contar tudo amanhã”, Jayne disse. “Tenho que ir. Vou correr meu décimo sexto quilômetro, então, preciso poupar fôlego. Vejo você amanhã?”
“Mal posso esperar”, Emily replicou.
Emily sorriu ao encerrar a ligação. Não havia percebido o quanto sentia falta de sua amiga até falar com ela. Ver Jayne amanhã seria um antídoto maravilhoso para o desastre com o Sr. Kapowski.
CAPÍTULO CINCO
Exausta depois da manhã longa e desastrosa, Emily afundou na tristeza. Para todo lugar que olhava, via problemas e erros; uma parede mal pintada, uma luminária mal instalada, um móvel que não combinava. Antes, havia-os visto como um toque de charme, mas agora, incomodavam.
Sabia que precisava de ajuda e conselhos de um profissional. Ela estava muito enganada, achando que podia, simplesmente, tomar conta de uma pousada.
Decidiu ligar para Cynthia, a dona da livraria que já gerenciou uma pousada quando jovem, para pedir conselhos.
“Emily”, Cynthia disse, ao atender a chamada. “Como está, querida?”
“Terrível”, Emily disse. “Estou tendo um dia péssimo”.
“Mas ainda são sete e meia da manhã!” Cynthia exclamou. “Como pode estar tão ruim?”
“Muito, muito ruim”, Emily replicou. “Meu primeiro hóspede acaba de ir embora. Perdi a hora e não pude preparar o café da manhã no primeiro dia; então, no segundo dia, não tinha ingredientes suficientes e ele disse que a comida estava fria. Não gostou dos travesseiros, nem das toalhas. Não sei o que fazer. Pode me ajudar?”
“Vou passar aí agora mesmo”, Cynthia disse, parecendo animada com a perspectiva de compartilhar um pouco de sabedoria.
Emily saiu para esperar por Cynthia e se sentou no terraço, esperando que um banho de sol pudesse animá-la um pouco, ou, pelo menos, que uma dose de vitamina D faria isso. Sua cabeça estava tão pesada que ela deixou-a cair nas mãos.
Quando ouviu o som do cascalho sendo remexido, levantou os olhos e viu Cynthia vindo em sua direção, de bicicleta.
Aquela bike enferrujada era uma visão comum e, de certo modo, inesquecível, por toda Sunset Harbor, principalmente porque a mulher sentada nela tinha cabelos frisados, tingidos de laranja, e usava roupas berrantes e que não combinavam entre si. Para tornar tudo ainda mais bizarro, Cynthia havia recentemente colocado uma cesta de vime na frente de sua bicicleta, na qual transportava Tempestade, um dos filhotes de Mogsy que havia adotado. De muitas maneiras, Cynthia Jones era uma atração turística em si.
Emily estava feliz em vê-la, apesar do grande chapéu de bolinhas vermelhas de Cynthia quase machucar seus olhos cansados. Acenou para a amiga e esperou a mulher caminhar até ela.
Elas entraram e Cynthia não perdeu tempo. Enquanto subiam as escadas, fez uma série de perguntas a Emily, sobre a pressão da água, se estava servindo alimentos orgânicos e quem era seu fornecedor. No momento em que chegaram ao quarto de hóspedes, a cabeça de Emily estava girando.
Ela levou Cynthia para dentro do quarto que, pelo menos para Emily, era lindo. Havia um mezzanino numa ponta, onde ela colocou um confortável sofá de couro, para que os hóspedes pudessem se sentar e admirar a vista para o mar. O quarto era principalmente branco, mas com toques azuis, com um tapete de pele de ovelha, e móveis de madeira de pinho envelhecido.
“Esta cama é pequena demais”, Cynthia disse imediatamente. “Uma cama de casal comum? Ficou louca? Precisa de algo grande e opulento. Algo luxuoso, além de qualquer coisa que eles possam comprar. Você fez este quarto parecer um showroom de decoração”.
“Achei que o objetivo era esse”, Emily falou timidamente.
“Absolutamente não!” Cynthia exclamou. “Você precisa fazer o quarto parecer o de um palácio!” Ela caminhou pelo cômodo, passando a mão nas cobertas amarrotadas. “Muito áspero”, falou. “Seus hóspedes merecem dormir numa cama que tenha uma textura acetinada”. Ela foi até as janelas. “Estas cortinas são escuras demais”.
“Ah”, Emily disse. “Algo mais?”
“Quantos quartos você tem?”
“Bem, este é o principal, que está pronto. Há mais dois que só precisam de alguns móveis. Então, existe mais um monte deles que ainda não consegui esvaziar. E o terceiro andar inteiro também poderia ser convertido”.
Cynthia assentiu e deu uma palmadinha no queixo. Ela parecia estar tendo algumas ideias, talvez, Emily imaginou, alguns grandes planos para a pousada que nunca conseguiria realizar.
“Mostre-me a sala de jantar”, Cynthia pediu.
“Humm…certo…”
Elas desceram as escadas e, a cada passo, o terror de Emily ficava mais forte. Estava começando a se arrepender da decisão de pedir ajuda a Cynthia. Enquanto o Sr. Kapowski havia apenas amassado seu frágil ego, Cynthia estava despedaçando-o com uma marreta.