“Cem por cento de certeza! Não acredito! Não sabia que era um lugar real!”
Daniel arregalou os olhos. Parecia tão surpreso com a coincidência quanto Emily.
Com as preocupações apagadas pela surpresa, ela rapidamente tirou os tênis e as meias. Quase não esperou até o barco chegar em terra antes de saltar. As ondas lambiam suas canelas. A água estava fria, mas quase não sentia. Correu até a praia de areia úmida, e então foi um pouco mais além. Parou e levantou as mãos, criando um retângulo de espaço entre os dedos e polegares, e fechou um olho. Ela se moveu um pouco, de modo que o farol ficasse à direita, o sol atrás dele, e o vasto oceano se estendendo do outro lado. Era isso! O ângulo exato do quadro que está na casa da sua família!
Emily não ficou supresa por seu pai ter um quadro assim. Ele era obcecado por antiguidades – incluindo obras de arte –, mas o que a surpreendeu foi a pintura ter chegado à casa da família. Sua mãe sempre tinha sido muito eficiente em manter a vida em Sunset Harbor separada da vida deles em Nova York, como se pudesse tolerar os hobbies bobos do marido por duas semanas ao ano, e desde que estivessem fora de sua vista, sem invadir de maneira alguma sua casa perfeitamente limpa, impecável. Então, como ele havia conseguido fazê-la concordar em pôr o quadro do farol na casa da família? Talvez porque estivesse camuflado como um lugar imaginário, pois ela nunca tinha imaginado que o quadro retratasse algum lugar em Sunset Harbor? Emily sorriu, perguntando-se se seu pai havia realmente sido tão astuto.
“Ei”, Daniel disse, trazendo-a de volta ao presente. Ela se virou para vê-lo arrastando uma cesta pela areia úmida até ela. “Você saiu correndo!”
“Desculpe”, Emily replicou, voltando apressada para ajudá-lo a carregá-la. “O que tem aí dentro? Pesa uma tonelada”.
Juntos, levaram a cesta até a praia e Daniel abriu as travas que fechavam a tampa. Ele removeu uma manta tartan e a forrou sobre a areia.
“Madame”, ele disse.
Emily riu e se sentou sobre o tecido. Daniel começou a tirar diferentes alimentos da cesta, incluindo queijos e frutas, e depois uma grande garrafa de champanhe e duas taças.
“Champanhe!” Emily exclamou. “O que estamos comemorando?”
Daniel deu de ombros. “Nada em particular. Só pensei que devíamos celebrar seu primeiro hóspede”.
“Nem me lembre”, Emily disse, com um gemido.
Daniel retirou a rolha da champanhe com um pop e encheu as taças.
“Ao Sr. Kapowski”.
Emily encostou sua taça contra a dele, com um sorriso meio sem graça. “Sr. Kapowski”. Ela deu um gole, deixando as bolhas fazerem cócegas em sua língua.
“Você ainda não está se sentindo confiante, está?” Daniel falou.
Emily estremeceu, seus olhos focados no líquido borbulhante. Ela girou um pouco a taça e observou a trajetória das linhas de bolhas, perturbadas pelo movimento, antes de se acomodarem novamente. “Eu não tenho muita fé em mim mesma”, falou por fim, com um grande suspiro. “Nunca realizei nada antes”.
“E quanto ao seu emprego em Nova York?”
“Quero dizer, nada que eu realmente quisesse”.
Daniel levantou as sobrancelhas. “E quanto a mim?”
Emily não pôde conter o sorriso. “Não o vejo como uma realização...”
“Pois deveria”, ele replicou, brincalhão. “Um cara estóico como eu. Não sou o cara mais falante do mundo, e é difícil puxar papo comigo”.
Emily riu, e então beijou seus lábios demoradamente, um beijo magnífico.
“Por que isso?” ele disse, depois que ela se afastou.
“Estou agradecendo. Por isto”. Ela indicou com a cabeça o pequeno piquenique na frente deles. “Por você estar aqui”.
Então, Daniel pareceu hesitar e Emily percebeu a razão: “estar aqui” não era algo com que Daniel pudesse algum dia ser capaz de se comprometer completamente. Viajar estava em seu sangue. Em algum momento, teria que partir.
Mas e ela? Também não havia feito planos concretos de permanecer em Sunset Harbor. Já morava aqui há seis meses – muito tempo para estar longe de Nova York, longe de sua casa e amigos. E, ainda assim, com o sol se pondo ao longe, lançando raios laranja e rosados no céu, não havia outro lugar em que preferisse estar. Neste exato momento, agora, tudo estava perfeito. Sentiu que estava vivendo no paraíso. Talvez realmente pudesse tornar Sunset Harbor seu lar. Talvez, Daniel quisesse ficar ali com ela. Não havia como prever o futuro; ela só podia viver um dia de cada vez. Pelo menos, podia ficar aqui até acabar o dinheiro. E, se trabalhasse duro, se tornasse a pousada sustentável, esse dia demoraria muito a chegar.
“No que está pensando?” Daniel perguntou.
“No futuro, acho”, Emily replicou.
“Ah”, Daniel respondeu, baixando os olhos.
“Não é um bom assunto?” Emily perguntou.
Daniel deu de ombros. “Nem sempre. Não é melhor apenas aproveitar o momento?”
Emily não tinha certeza sobre como lidar com aquela frase. Era uma prova do desejo dele de deixar este lugar? Se o futuro não era um bom assunto sobre o qual conversar, era porque ele tinha alguma previsão de partir seu coração um dia?
“Acho que sim”, ela disse, em voz baixa. “Mas às vezes é impossível não pensar no futuro. Tudo bem fazer planos, não acha?” Estava tentando dar um toque sutil em Daniel, fazê-lo revelar um fiapo de informação, qualquer coisa que pudesse fazê-la sentir mais segura quanto ao relacionamento.
“Na verdade, não”, ele disse. “Eu me esforço muito para manter o foco no presente. Não me preocupo com o futuro. Não fico me lembrando do passado”.
Emily não gostou da ideia dele se preocupando com o futuro deles, e teve que parar de querer saber o que exatamente havia para se preocupar. Ao invés, perguntou, “Há muito do que se lembrar?”
Daniel não havia revelado muito sobre seu passado. Sabia que ele havia se mudado muitas vezes, que seus pais se divorciaram e que seu pai bebia, e que ele agradecia ao pai dela por ter lhe dado um futuro melhor.
“Ah, sim”, Daniel disse. “Muita coisa”.
Ficou em silêncio novamente. Emily queria que falasse mais, mas podia notar que ele não conseguia. Ela se perguntou se ele sabia o quanto ansiava ser a pessoa em quem confiasse o bastante para se abrir.
Mas, com Daniel, era preciso ter paciência. Ele falaria quando estivesse pronto, se um dia se sentisse pronto.
E se esse dia chegasse, esperava ainda estar por perto para ouvi-lo.
CAPÍTULO QUATRO
Na manhã seguinte, Emily acordou cedo, determinada a não perder o turno do café da manhã novamente. Às sete em ponto, ouviu o som da porta do quarto de hóspedes se abrir e fechar suavemente, e depois, os passos do Sr. Kapowski, enquanto ele descia as escadas. Emily saiu de onde estava esperando-o no corredor e ficou parada no final da escada, olhando para ele.
“Bom dia, Sr. Kapowski”, disse, com um sorriso simpático no rosto.
O sr. Kapowski parou.
“Ah. Bom dia. Você está acordada”.
“Sim”, Emily disse, mantendo o tom confiante, apesar de não se sentir assim. “Quero pedir desculpas por ontem, por não estar aqui para preparar o café da manhã. O senhor dormiu bem?” ela notou as olheiras ao redor dos seus olhos.
O Sr. Kapowski hesitou por um instante. Enfiou nervosamente as mãos nos bolsos de seu terno amarrotado.
“Humm… na verdade, não”, replicou, por fim.
“Ah, não”, Emily disse, preocupada. “Não por causa do quarto, espero?”
O Sr. Kapowski parecia agitado e sem graça, esfregando o pescoço como se tivesse mais a falar, mas não soubesse como.
“Na verdade”, conseguiu finalmente dizer, “o travesseiro era meio desconfortável”.
“Sinto muito por isso”, Emily disse, frustrada consigo mesma por não tê-lo testado.
“E, bem... as toalhas são ásperas”.
“São?” Emily disse, perturbada. “Por que não vem se sentar na sala de estar”, ela disse, lutando para afastar o pânico de sua voz, “e me conta suas queixas”.
Ela o guiou para dentro da ampla sala de estar e abriu as cortinas, deixando a luz suave da manhã entrar no cômodo, realçando o arranjo de lírios de Raj, enquanto o perfume das flores permeava a sala. A superfície da longa mesa de mogno no estilo banquete brilhava. Emily adorava esta sala; era tão opulenta, tão chique e ornamentada. O lugar perfeito para exibir algumas das louças antigas de seu pai, alinhadas numa estante feita com a mesma madeira escura de mogno da mesa.