Gwen pensou em seu pai e perguntou-se o que ele faria. Isso a fez sorrir ao pensar nele. Ele teria exibido uma expressão corajosa, sem importar as circunstâncias. Ele sempre dizia a ela para esconder o medo na arrogância e enquanto ela recordava como havia sido a vida dele, ela percebeu que ele nunca aparentava ter medo. Nem sequer uma vez. Talvez fossem apenas aparências; mas eram boas aparências. Como líder, ele sabia que estava exposto em todos os momentos, sabia que as pessoas precisavam das aparências, talvez até mais do que da liderança. Ele era altruísta demais para deixar-se vencer por seus medos. Ela iria aprender com o seu exemplo. Ela tampouco se deixaria vencer pelo temor.
Gwen olhou em volta e viu Godfrey marchando ao seu lado, ao lado dele ia Illepra, a curandeira; os dois estavam envolvidos em uma conversa. Gwen tinha notado que os dois pareciam ter se apegado bastante um ao outro desde que Illepra tinha salvado a vida de Godfrey. Gwen desejava que seus outros irmãos estivessem ali também. Mas Reece tinha ido embora com Thor; quanto a Gareth, era óbvio que ele tinha desaparecido de sua vida para sempre e Kendrick ainda estava em seu posto, em algum lugar do Leste, ajudando a reconstruir aquela cidade remota. Ela tinha enviado um mensageiro até ele. Essa havia sido a primeira coisa que ela tinha feito. Ela rezou para que o mensageiro o alcançasse a tempo, para trazê-lo para Silésia, dessa forma, ele estaria com ela e ajudaria a defendê-la. Então, pelo menos, dois de seus irmãos: Kendrick e Godfrey poderiam refugiar-se em Silésia com ela; isso abrangia todos eles. Exceto, é claro, sua irmã mais velha, Luanda.
Pela primeira vez em muito tempo, os pensamentos de Gwen se voltaram para Luanda. Ela sempre teve uma rivalidade com sua irmã mais velha. Gwen não tinha tido a mais mínima surpresa quando Luanda aproveitou a primeira chance que teve de ir embora da Corte do Rei e casar-se com aquele McCloud. Luanda sempre foi ambiciosa e sempre quis ser a primeira em tudo. Gwendolyn a amava e a admirava quando ela era mais jovem; mas Luanda, tornou-se cada vez mais competitiva e não havia retribuído o seu amor. Depois de um tempo, Gwen parou de tentar.
No entanto, agora Gwen se sentia mal por Luanda; ela se perguntava o que teria acontecido com sua irmã depois que os McClouds foram invadidos por Andronicus. Será que ela havia sido assassinada? Gwen estremeceu com esse pensamento. Elas eram rivais, mas afinal de contas, elas ainda eram irmãs e ela não queria vê-la morta tão jovem.
Gwen pensou em sua mãe, o outro único membro de sua família deixado para trás, encalhado na Corte do Rei, com Gareth naquele estado. O pensamento lhe provocou um calafrio. Apesar de toda a raiva que ela ainda tinha de sua mãe, Gwen não queria que ela acabasse assim. O que aconteceria se a Corte do Rei fosse invadida? Será que sua mãe seria morta?
Gwen não podia deixar de sentir que sua vida, a qual tinha sido tão cuidadosamente construída, estava desabando ao seu redor. Parecia que tinha sido apenas ontem, em pleno auge do verão, que tinha sucedido o casamento de Luanda, uma festa gloriosa, toda a Corte do Rei transbordava com abundância, ela e sua família, estavam todos juntos, celebrando; o Anel era inexpugnável. Parecia que tudo duraria para sempre.
Agora tudo tinha se despedaçado totalmente. Nada era o que uma vez tinha sido.
Uma brisa fria de outono a golpeou e Gwen cobriu os seus ombros com um suéter de lã azul. O outono havia sido muito curto esse ano; o inverno já estava chegando. Ela podia sentir a brisa gelada ficar cada vez mais pesada com a umidade, enquanto todos se dirigiam mais para o Norte, ao longo do Canyon. O céu estava escurecendo mais cedo e o ar estava cheio com um novo som, o som dos gritos dos pássaros do inverno, os abutres vermelhos e pretos que voavam baixo quando a temperatura caía. Eles gralhavam incessantemente e o som, por vezes, irritava Gwen. Era como o som da morte que se aproximava.
Desde que haviam se despedido de Thor, todos tinham seguido ao longo do Canyon, rumo ao Norte, sabendo que esse caminho os conduziria até a cidade mais ocidental da parte oeste do Anel: Silésia. Enquanto eles avançavam, a névoa sinistra do Canyon emanava em ondas, envolvendo os tornozelos de Gwen.
“Nós já não estamos tão longe agora, Majestade.” Disse uma voz.
Gwen olhou para ver Srog de pé do outro lado dela, vestido com a armadura vermelha distintiva de Silésia e flanqueado por vários de seus guerreiros, todos vestidos com sua cota de malha vermelha e botas. Gwen tinha sido tocada pela bondade de Srog para com ela, tocada por sua lealdade para com a memória de seu pai e pela sua oferta de proporcionar-lhes Silésia como um refúgio. Ela não sabia o que ela e todas aquelas pessoas teriam feito sem ele. Eles ainda estariam naquele mesmo momento presos na Corte do Rei, à mercê da traição de Gareth.
Srog era um dos lordes mais honrados que ela havia conhecido. Com milhares de soldados à sua disposição, com seu controle da famosa fortaleza do Oeste, ele não precisava prestar homenagem a ninguém. Mas ele rendia um grande tributo ao seu pai. Tinha havido sempre um equilíbrio delicado de poder. Nos tempos em que o avô de Gwen era rei, Silésia precisou da Corte do Rei; no tempo de seu pai, nem tanto e atualmente Silésia não precisava da corte em absoluto. De fato, com a queda do escudo protetor e o caos na Corte do Rei, eram eles os que precisavam de Silésia.
É claro que o Exército Prata e a Legião eram os melhores guerreiros que existiam, como eram também os milhares de soldados que acompanhavam Gwen. Isso abrangia a metade do exército real. Mesmo assim, Srog, como a maioria dos outros lordes, poderia ter simplesmente fechado seus portões e cuidado de seus próprios assuntos.
Em vez disso, ele havia procurado Gwen, tinha jurado lealdade a ela e insistido em hospedar todos eles. Tinha sido uma bondade que Gwen estava determinada a retribuir de alguma forma, algum dia. Isso se por acaso, eles sobrevivessem.
“Você não precisa se preocupar.” Respondeu ela baixinho e colocando a mão suavemente em seu pulso. “Nós marcharíamos até os confins da terra para entrar em sua cidade. Nós somos muito afortunados de contar com sua bondade neste momento difícil.”
Srog sorriu. Ele era um guerreiro de meia-idade com o rosto marcado por muitas linhas e por muitas batalhas, seu cabelo era castanho-avermelhado, a linha da sua mandíbula era forte e ele não tinha barba. Srog era um homem de verdade, ele não era apenas um lorde, mas sim um verdadeiro guerreiro.
“Por seu pai, eu caminharia através do fogo.” Ele respondeu. “Os agradecimentos são desnecessários. É uma grande honra poder pagar minha dívida para com ele, ficando a serviço de sua filha. Afinal, era a vontade dele que Vossa Majestade governasse. Então, quando eu respondo a Vossa Majestade, eu respondo a ele.”
Perto de Gwen também marchavam Kolk e Brom. Atrás deles se ouvia o constante barulho de milhares de esporas, de espadas tilintando em suas bainhas e de escudos esbarrando nas armaduras. Era uma grande cacofonia de barulhos, avançando cada vez mais longe, para o Norte, ao longo da borda do Canyon.
“Majestade.” Kolk disse: “… Eu estou sobrecarregado pela culpa. Eu não deveria ter deixado Thor, Reece e os outros saírem sozinhos para o Império. Mais de nós deveríamos ter nos oferecido para ir com eles. Se alguma coisa acontecer com eles, isso vai pesar para sempre sobre minha cabeça.”
“Essa foi a missão que eles escolheram.” Gwen respondeu. “… Era uma questão de honra. Quem tinha de ir, já foi. A culpa não faz bem a ninguém.”