Envolto em pensamentos e indagações, nem percebi que, ao meu lado, estava a estranha senhora que prometia me ajudar no meu caminho.
Acordou bem?
Se bem significa estar inteiro, sim.
Antes de qualquer coisa, devo avisar que o solo que você está pisando é sagrado. Portanto, não se deixe levar pela aparência ou por impulsividade. Hoje é o seu primeiro desafio. Não lhe trarei mais alimentos nem água. Você irá buscá-los por conta própria. Siga seu coração em todas as situações. Você deve provar que é digno.
Há água e alimentos nesse matagal, e eu devo pegá-los? Olha, senhora, que estou acostumado a fazer compras em supermercado. Vê esta cabana? Custou-me muito suor e ainda considero que não está segura. Por que não me concede o dom de que necessito? Creio que já provei ser digno no momento que escalei essa montanha tão íngreme.
Procure o alimento e a água. A montanha é apenas uma etapa do seu processo de aperfeiçoamento espiritual. Você ainda não está pronto. Devo lembrar que eu não concedo dons. Não tenho poder para isso. Sou apenas a seta que indica o caminho. A gruta é quem realiza os desejos. É chamada a gruta do desespero por ser procurada por aqueles cujos sonhos se tornam impossíveis.
Eu vou tentar. Não tenho mais nada a perder mesmo. A gruta é a minha última esperança de sucesso.
Dito isso, levantei-me e comecei a realizar o primeiro desafio. A senhora desapareceu como fumaça.
O primeiro desafio
À primeira vista, percebo que na minha frente há uma estrada de vereda batida. Começo a andar por ela. Diante daquele matagal cheio de espinhos, o melhor seria seguir a trilha. As pedras que meus passos derribam parecem querer me dizer alguma coisa. Será que estou no caminho certo? Penso em tudo que deixei para trás em busca do meu sonho: casa, alimento, roupa lavada e meus livros de Matemática. Será que valerá a pena? Penso que vou descobrir (o tempo dirá). A estranha senhora parece não ter me dito tudo. Por mais que eu ande, não encontro nada. O topo não parecia ser tão extenso assim logo que cheguei. Uma luz? Vejo uma luz à frente. Preciso ir até lá. Chego a uma clareira espaçosa, onde os raios de sol refletem claramente o aspecto da montanha. A trilha se desfaz e renasce em dois caminhos distintos. O que fazer? Há horas que eu ando e minhas forças parecem ter se esgotado.
Sento-me um momento para descansar. Dois caminhos e duas escolhas. Quantas vezes, na vida, nos deparamos com situações como essa. O empresário que tem de escolher entre a sobrevivência da empresa e a demissão de alguns funcionários. A mãe pobre do sertão do Nordeste que tem de escolher um dos filhos para alimentar. O marido infiel que tem de escolher entre sua esposa e a amante. Enfim, são inúmeras as situações na vida. A minha vantagem é que a minha escolha só afetará a mim mesmo. Preciso seguir minha intuição, como a senhora recomendou.
Levanto-me e escolho o caminho da direita. Caminho a largos passos nessa trilha e não demora muito para eu vislumbrar outra clareira. Desta feita, encontro um poço de água e alguns animais à sua volta. Eles se refrescam na água límpida e transparente. Como proceder? Encontro a água, mas ela está infestada de animais. Consulto o meu coração e ele me diz que todos têm direito à água. Eu não poderia tangê-los e privá-los desse bem. A natureza dá em abundância seus recursos para a sobrevivência de seus seres. Eu sou um de seus fios que ela tece. Não sou superior a ponto de me considerar dono dela. Com as minhas mãos, tenho acesso à água e a reservo em um pequeno pote que trouxe de casa. A primeira parte do desafio está cumprida. Preciso achar agora o alimento.
Continuo andando para a frente, na trilha, esperando encontrar alguma coisa para comer. O meu estômago ronca, pois já passa do meio-dia. Começo a olhar de lado. Talvez o alimento esteja dentro da mata. Quantas vezes não procuramos o caminho mais fácil, mas não é ele que conduz ao sucesso (nem sempre o escalador que percorre uma trilha consegue ser o primeiro a chegar ao topo de uma montanha). Os atalhos conduzem mais rápido ao objetivo. Com esse pensamento, saio da trilha e, pouco tempo depois, encontro uma bananeira e um coqueiro. É deles que vou retirar alimento. Preciso subir neles com a mesma força e fé que escalei a montanha. Tento uma, duas, três vezes. Consegui. Voltarei agora para a cabana, pois cumpri o primeiro desafio.
O segundo desafio
Ao chegar à cabana, encontro a guardiã da montanha mais fulgurante do que nunca. O seu olhar não consegue separar-se do meu. Penso que sou realmente especial para Deus. Em todos os momentos, sinto a presença Dele. Ele me ressuscitou em todos os sentidos. Quando eu estava sem trabalho, ele me abriu as portas; quando eu não tinha oportunidades de crescer profissionalmente, ele me abriu caminhos; quando eu estava em crise, ele me libertou das amarras do demônio. Enfim, aquele olhar de aprovação da estranha senhora lembrou-me o homem que eu era até pouco tempo atrás. O meu objetivo atual era vencer, sem me importar com os obstáculos que eu tivesse que transpor.
Então você venceu o primeiro desafio? Meus parabéns! Exclamou a senhora. O primeiro desafio teve como objetivo explorar a sua capacidade de tomar decisões, de partilha e de sabedoria. Os dois caminhos representam as forças opostas que dominam o universo (bem e mal). O ser humano é totalmente livre para escolher qualquer um dos caminhos. Se escolher o caminho da direita, ele terá plena luz e a ajuda dos anjos em todos os momentos da vida. Foi o caminho que você escolheu. Porém, não é um caminho fácil. Muitas vezes, a dúvida assaltará o seu coração, e você se perguntará se vale mesmo a pena esse caminho. As pessoas do mundo irão sempre lhe magoar e aproveitar-se de sua bondade. Além disso, a confiança que você depositará nos outros será quase sempre decepcionada. Quando você se afligir, lembre-se: o seu Deus é forte e nunca lhe abandonará. Nunca deixe que a riqueza ou luxúria pervertam o seu coração. Você é especial e, por seu valor, Deus o considera seu filho. Nunca perca essa graça. O caminho da esquerda pertence a todos que se rebelaram ao chamado do Pai. Todos nós nascemos com uma missão divina. No entanto, alguns se desviam dela, por materialismo, más influências, corrupção do coração. Todos os que escolhem o caminho da esquerda não têm um bom destino, ensinou-nos Jesus. Toda árvore que não der bons frutos será arrancada e jogada nas trevas exteriores. É esse o destino dos maus porque o Pai é justo. No momento em que você encontrou o poço e aqueles animais sôfregos, seu coração falou mais alto. Escute-o sempre, menino, e você irá longe. O dom da partilha resplandeceu em você naquele momento e o seu crescimento espiritual foi surpreendente. A sabedoria que você tem ajudou-o a encontrar o alimento. Nem sempre o caminho mais fácil é o certo a seguir. Creio que agora você está preparado para o segundo desafio. Daqui a três dias, você sairá de sua cabana e procurará um fato. Aja conforme sua consciência. Se você for aprovado, passará para o terceiro e último desafio.
Obrigado por me acompanhar todo esse tempo. Eu não sei o que me espera na gruta nem o que acontecerá comigo. A sua contribuição é muito importante para mim. Desde que escalei a montanha, sinto que minha vida mudou. Estou mais tranquilo e convicto do que quero. Eu vou cumprir o segundo desafio.
Muito bem. Vejo-o daqui a três dias.
Dito isso, a senhora desapareceu mais uma vez. Deixou-me sozinho na quietude do entardecer juntamente com grilos, pernilongos e outros insetos.