Já percorri três quartos do percurso total e continuo sendo perseguido pelas vozes. Quem sou eu? Para onde eu irei? Por que sinto que minha vida mudará radicalmente depois da experiência na montanha? Afora as vozes, parece que eu estou sozinho nesse caminho. Será que outros escritores sentiram a mesma coisa ao percorrer caminhos sagrados? Acredito que meu misticismo será diferente de qualquer outro. Tenho que prosseguir, tenho que vencer e suportar todos os obstáculos. Os espinhos que ferem o meu corpo são extremamente perigosos ao ser humano. Se eu sobreviver a essa subida, já me considerarei um vencedor.
Passo a passo, vou me aproximando do topo. Já estou a poucos metros dele. O suor que escorre sob o meu corpo parece impregnado por sagrados aromas da montanha. Paro um pouco. Será que meus entes queridos estão preocupados? Bem, isso não importa agora. Tenho que pensar em mim mesmo, neste momento, para chegar ao topo máximo da montanha. Disso depende o meu futuro. Alguns passos a mais e chego ao topo. Um vento frio sopra, vozes atormentadas me confundem o raciocínio e não me sinto bem. As vozes gritam:
Ele conseguiu, vai ser agraciado! Será que ele é mesmo digno? Como ele conseguiu escalar toda a montanha?
Sinto-me confuso e tonto, acho que não estou bem.
Os pássaros gritam e os raios de sol acariciam todo o meu rosto. Onde estou? Sinto-me como se tivesse tomado um porre um dia atrás. Tento levantar-me, mas um braço me impede. Vejo que está ao meu lado uma senhora de meia-idade, cabelos ruivos e pele bronzeada
Quem é você? O que aconteceu comigo? Meu corpo inteiro dói. Sinto minha mente confusa e vaga. Este topo é a causa de tudo isso? Acho que eu deveria ter ficado em minha casa. Meus sonhos me impeliram até aqui. Escalei vagarosamente a montanha, cheio de esperanças num futuro melhor e apontando para um auto crescimento. No entanto, praticamente não posso mover-me. Explique-me tudo isso, eu lhe imploro.
Sou a guardiã da montanha. Sou o espírito da Terra que sopra de lá para cá. Fui enviada aqui, pois você venceu o desafio. Quer realizar seus sonhos? Eu o ajudarei a conseguir, filho de Deus! Você ainda tem muitos desafios a enfrentar. Eu o prepararei para tal. Não temas. O seu Deus está contigo. Descanse um pouco. Eu voltarei com água e alimentos para suprir suas necessidades. Enquanto isso, descanse e medite como você sempre faz.
Dito isso, a senhora desapareceu da minha visão. Essa imagem perturbadora deixou-me mais aflito e cheio de dúvidas. Quais desafios eu teria de vencer? Em quais etapas esses desafios consistiam? O topo da montanha era realmente um lugar esplendoroso e tranquilo. Do alto, podia avistar-se toda a pequena aglomeração de casas do Mimoso. Ele representa um planalto cheio de íngremes caminhos e repletos de vegetação por todos os lados. Esse local sagrado, intocado da natureza, me ajudaria realmente a realizar meus planos? Tornar-me-ia escritor ao sair dele? Só o tempo poderia responder essas indagações.
Diante da demora da senhora, pus-me a meditar no topo da montanha. Utilizei-me da seguinte técnica: primeiramente, deixo a mente limpa (livre de quaisquer pensamentos). Começo a entrar em sintonia com a natureza ao redor, contemplando todo o local mentalmente. A partir daí começo a entender que faço parte da própria natureza e estamos totalmente interligados, num grande ritual de comunhão. O meu silêncio também é o silêncio da mãe natureza. O meu grito também é o grito dela. Gradativamente, começo a sentir seus desejos e aspirações, reciprocamente. Sinto seu pedido de socorro pela vida e suas menções à destruição humana: desmatamento, mineração, caça e pesca excessivas, emissão de gases poluentes na atmosfera e outras atrocidades humanas. Em contrapartida, ela me escuta e me apoia em todos os meus planos. Estamos completamente interligados durante a meditação. Toda essa harmonia e cumplicidade deixaram-me totalmente tranquilo e concentrado em meus desejos. Até que algo mudou: senti o mesmo toque que outrora me despertara. Abri os olhos, vagarosamente, e percebi que estava diante da mesma senhora que se denominou a guardiã da montanha sagrada.
Vejo que entendeu o segredo da meditação. A montanha o ajudou a descobrir um pouco do seu potencial. Você crescerá muito em todos os sentidos. Eu o ajudarei nesse processo. Primeiramente, peço que vá retirar da natureza caibros, ripas, esteios e linhas, para erguer sua cabana, e lenha, para fazer uma fogueira. A noite já está chegando, e você precisa se proteger dos animais ferozes. A partir de amanhã, eu o ensinarei a sabedoria da mata para que você possa vencer o seu verdadeiro desafio: a gruta do desespero. Somente o coração puro sobrevive ao fogo de sua análise. Quer realizar seus sonhos? Então pague o preço por eles. O universo não dá nada de graça a ninguém. Somos nós que nos tornamos dignos de alcançar o sucesso. Esta é uma lição que você deve aprender, meu jovem.
Entendo. Aprenderei tudo o que for necessário para vencer o desafio da gruta. Não tenho ideia do que seja, mas estou confiante. Se eu venci a montanha, também vencerei a gruta de seu topo. Quando eu sair de lá, penso que estarei preparado para vencer e ter sucesso.
Espere, não tenha tanta confiança. Você não conhece a gruta da qual eu estou falando. Saiba que muitos guerreiros já foram provados por seu fogo e foram destruídos. A gruta não tem pena de ninguém, nem mesmo dos sonhadores. Tenha paciência e aprenda tudo o que vou ensinar. Assim você se tornará um verdadeiro vencedor. Lembre-se: a autoconfiança ajuda desde que na medida certa.
Compreendo. Obrigado por todos os seus conselhos. Prometo segui-los até o fim. Quando o desespero da dúvida me açoitar, eu me lembrarei deles e do Deus que me guarda sempre. Quando eu não tiver mais saída na noite escura da alma, eu não temerei. Vencerei a gruta do desespero! A gruta da qual ninguém jamais escapou.
A senhora despediu-se amigavelmente, prometendo voltar no outro dia.
A Cabana
Um novo dia aparece. Pássaros assobiam e cantam suas melodias, o vento é nordeste, e sua brisa refresca o sol que, nessa época, é forte, mesmo quando amanhece. O mês corrente é dezembro e representa para mim um dos mais belos meses por ser o início das férias escolares. É um descanso merecido após um longo ano de dedicação aos estudos no curso de licenciatura em Matemática. O momento requer o esquecimento de todas as integrais, derivadas e coordenadas polares. Preciso preocupar-me agora com todas as provas que a vida me desafiar. Disso depende o meu sonho. As minhas costas doem, é o resultado de uma noite mal dormida no terreno batido que eu preparei. A cabana que construí com muito esforço e a fogueira que acendi me deram uma certa segurança à noite. Porém, não deixei de ouvir uivos e passos ao redor dela. Onde os meus sonhos me levaram? A um fim de mundo onde as comodidades da civilização não chegam. O que você faria, leitor? Arriscar-se-ia numa viagem para realizar seus sonhos mais profundos? Continuemos a narrativa.
Envolto em pensamentos e indagações, nem percebi que, ao meu lado, estava a estranha senhora que prometia me ajudar no meu caminho.
Acordou bem?
Se bem significa estar inteiro, sim.
Antes de qualquer coisa, devo avisar que o solo que você está pisando é sagrado. Portanto, não se deixe levar pela aparência ou por impulsividade. Hoje é o seu primeiro desafio. Não lhe trarei mais alimentos nem água. Você irá buscá-los por conta própria. Siga seu coração em todas as situações. Você deve provar que é digno.