Por fim, Angus interrompeu o contato e baixou Broderick ao chão.
Rasheed parou e entregou a Angus uma adaga de cabo preto. Cortando um dos pulsos, Angus estendeu a ferida aberta para que Broderick bebesse. Mas Broderick não conseguia abrir a boca e aceitar o sangue Vamsiriano que escorria por seu queixo. Era melhor ele recusar e morrer logo.
— Fez essa escolha, Rick! — Angus latiu e voltou a cortar o pulso que se curava com rapidez. — Abra a boca!
Antes que Broderick pudesse se deleitar com o triunfo por derrotar Angus, o cheiro do sangue assaltou seus sentidos, e ele abriu a boca para receber a imortalidade. Bebeu com vontade e ofegou quando Angus puxou o pulso para cortá-lo mais uma vez.
— Sim, Rick. — Angus o persuadiu enquanto Broderick fechava a boca ao redor do corte, tomando goles grandes do líquido vital.
Seu corpo voltou a recuperar a força, uma sensação calmante moveu-se por suas veias, o sangue alcançava seus membros, a garganta formigou. Angus puxou a mão. Embora Broderick ainda não conseguisse fazer seu corpo responder aos próprios desejos, ele ficou maravilhado com os sentidos aguçados. A respiração dos guardas Vamsirianos do outro lado da sala vibrou contra seus ouvidos. O aroma delicado de verbena, de Cordelia, tocou seu nariz como quando ele se alimentou dela. As veias na mesa de mármore preto pareciam brilhar, as fraturas do tamanho de um fio de cabelo eram visíveis com sua nova visão.
Angus se virou para Rasheed, enxugando a boca com um lenço.
— Por que não pude ler a mente dele? Por que não pude colher todas as memórias?
Cordelia sorriu e cerrou os punhos ao lado do corpo, alegria iluminando seus olhos.
— Porque meu sangue governa o corpo dele. Você não pode colher memórias que pertencem a outro Vamsiriano, Angus. Queria ganhar tal vantagem sobre Broderick, saber tudo sobre ele, mas não conseguiu porque ele foi meu Escravo de Sangue.
Ela parecia feliz ao fazer uma revelação tão particular. Broderick estremeceu e convulsionou no chão, enquanto os dois enormes Vamsirianos interrompiam o momento de alegria de Cordelia. Flanqueando-a, eles agarraram seus braços e a escoltaram para fora da sala:
— Meu senhor — ela protestou e se soltou das mãos que a agarravam pelos pulsos. — Meu senhor, por favor!
As objeções de Cordelia desapareceram por trás da porta fechada, deixando a sala em um silêncio pesado, e Broderick ponderou o envolvimento de Cordelia nesta farsa. Ela sabia que Angus faria a transformação, embora não soubesse dos resultados. Por que essa informação causou tanta euforia nela?
Rasheed contemplou Broderick deitado no chão de pedra com os olhos semicerrados. Após um longo momento, os Anciões saíram da sala pela mesma porta em que Cordelia desaparecera, nenhum deles proferiu uma única palavra. Angus estava de pé acima do corpo de Broderick, tremia de revolta devido ao sangue Vamsiriano que purgava o que restava de sua humanidade. O cheiro de seu inimigo, um distinto toque almiscarado, flutuou ao redor de Broderick, e ele guardou o aroma na memória.
— Irmãos por toda a eternidade agora, para sempre unidos por sangue. — ajoelhando-se ao lado de Broderick, Angus sussurrou: — Vou lhe dar esta vantagem, Rick, tempo para conhecer o que se tornou. Use-a com sabedoria. Assim que souber o que precisa, vou caçá-lo.
Levantando-se, Angus assentiu e se encaminhou para a saída.
— Não se eu encontrar você primeiro. — Broderick sorriu com vontade enquanto estremecia e olhava carrancudo para Angus, que marchava para fora do Salão Principal.
Stewart Glen, Escócia — Final do outono, 1505 — Dezenove anos depois
Os olhos de Davina Stewart dançaram de alegria ao vislumbrar as barracas e caravanas coloridas do acampamento cigano. Tantos cheiros exóticos passeavam por seus sentidos, a boca se enchia d'água em um momento, e ela deu um suspiro de prazer no seguinte. Entre as tochas e fogueiras bruxuleantes, acrobatas se contorciam, malabaristas lançavam bastonetes flamejantes para o alto, e mercadores agitavam seus produtos, trazidos de todo o mundo, para os transeuntes. O pai de Davina, Parlan, e o irmão dela, Kehr, pediram licença e se dirigiram aos cavalos que os ciganos expuseram à venda.
— Davina. — sua mãe, Lilias, pressionou a mão no braço de Davina e gesticulou na direção de uma tenda ao longe. — Myrna e eu estaremos naquela barraca. Pretendo comprar um presente para o seu pai antes que ele e seu irmão voltem. Fique perto de Rosselyn e não se distancie.
— Sim, senhora. — observando a mãe e Myrna darem os braços e se afastarem, Davina apertou a mandíbula para conter a empolgação.
Rosselyn estava com a boca aberta.
Davina pigarreou.
— Se quiser ficar aqui encarando nossas mães, então vai ficar sozinha. Eu, por exemplo, não vou perder esta rara oportunidade de explorar minha liberdade. — Davina se virou e correu na direção oposta para colocar alguma distância entre ela e a mãe.
Rosselyn correu para alcançá-la e deu o braço a Davina.
— Como sua criada e guardiã nomeada, preciso lembrá-la que sua mãe avisou para não se distanciar?
— Acredita que ela nos deixou explorar? — Davina estava maravilhada, e as risadas jorraram por entre as mãos apesar de suas tentativas de cobrir a boca.
— Não explora o suficiente quando visita seu irmão na corte? — Rosselyn colocou um cacho castanho desgarrado sob a touca.
— Bah! — Davina zombou, imitando a exclamação favorita de seu irmão. — A corte é um lugar horrível para se estar, sei bem. As mulheres se caluniam, fingem serem amigas, e toda a conversa gira em torno de saias levantadas e encontros secretos com rapazes bonitos no jardim. — Calor subiu ao rosto de Davina ante a fala ousada.
Rosselyn deu uma risadinha.
— Davina Stewart, você está corando! E deve mesmo! Sua mãe iria açoitá-la se a ouvisse falando dessa maneira.
— Na corte, Ma me mantém por perto, então não, também não exploro muito lá. Vou deleitar-me com a minha liberdade esta noite! — Davina riu, mas a alegria desapareceu ao perceber a impressão que sua fala deixava. — Ora, não me entenda mal. Eu adoro a mamãe, mas…
— Sim, ela quase nunca permite que fique fora do alcance dela, muito menos de vista.
Rosselyn era dois anos mais velha que os treze de Davina e crescera em sua casa. Foi natural que ela assumisse o papel de criada de Davina, já que a mãe da menina, Myrna, era a criada de Lilias. Embora Rosselyn cumprisse bem as tarefas de sua posição, Davina amava a garota mais velha como uma irmã.
Pegando emprestada a ideia da mãe, Davina arrastou Rosselyn para examinar as mercadorias das tendas, procurando comprar presentes para sua família. Uma adaga de bota com um delineado fino chamou sua atenção. O Cigano puxou a pequena lâmina da bainha.
— Uma lâmina esplêndida para uma senhora como você. — ele se esforçou.
— Ora, não é para mim, mas para meu irmão. — Davina rebateu.
— Sim, uma bela arma para guardar na bota! Vê os desenhos incrustados de prata na lâmina?
— É mesmo prata? — Davina ergueu a adaga e estudou os desenhos celtas que desciam pela lâmina estreita.
— Pois claro! Uma obra de arte! — quando ele disse o preço, ela estremeceu. — Prata de verdade, eu prometo.
Ela devolveu a lâmina, mas o ourives não a aceitou. Ele olhou ao redor e então sussurrou, em um tom conspiratório, um preço mais baixo. Não muito mais baixo, mas o suficiente. Davina entregou a moeda.
Rosselyn puxou a manga de Davina.
— Olha… — ela disse apontando para uma mulher idosa. A cigana exibia uma longa trança prateada e um lenço escarlate cobria a cabeça.
A mulher acenou para elas.
Ela se sentava ao lado de uma barraca de lona pintada com uma cena impressionante de uma mulher de cabelos louros sentada atrás de uma mesa exibindo uma série de objetos. Estrelas, luas e outros símbolos estranhos que Davina não reconheceu flutuavam em torno dos cabelos loiros em cascata da mulher.