Franco Susana - A Lista Dos Perfis Psicológicos стр 3.

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― Acumula? ― Perguntei surpreendido com aquele comentário.

― Sim, você sabe, tem um nome muito estranho, mas não o consigo evitar. Tudo o que encontro tem um lugar especial na minha casa, sei exatamente onde colocar.

― Sofre de Síndrome de Diógenes?

― Sim, foi algo do género que os senhores dos Serviços Sociais me disseram, daquela vez que foram esvaziar o meu apartamento. Consegue imaginar… você passar uma vida inteira a guardar coisas, para que da noite para o dia deixem tudo vazio, sem um mínimo objeto?

― Mas você sabe que isso não é saudável, não sabe? ― Salientei, estranhando o rumo que aquela conversa estava a ter.

― Sim, eu sei, mas sou muito limpinha, embora um pouco descuidada, mas sempre tive tudo organizado, e nunca ninguém se tinha queixado.

Não quis aprofundar mais naquilo, primeiro porque parecia ser um tema doloroso para a senhora e pelo qual se sentia um pouco envergonhada, e segundo, porque não entendia o que é que aquilo tudo tinha a ver com as insónias, o que me levou a tentar aprofundar um pouco mais esse segundo aspeto.

― E então? Que relação acha que existe entre a sua falta de sono e esse objeto que encontrou?

― Ah! Sim, isso ― respondeu um pouco confusa. ― Sabe, eu acho que é valioso, mas nem sequer me atrevi a abri-lo. Está tão bem embrulhado que me deu pena rasgar o papel que tem em volta.

― Mas se não sabe o que é, como é que isso lhe pode tirar o sono? ― Respondi, deixando em evidência a incoerência das suas palavras.

― Precisamente por não saber o que é, já viu se são uns sapatos novos?

― Uns sapatos? ― Perguntei confuso.

― Sim, ou um lindo lenço para a cabeça. Nem sabe a falta que me faz. ― Respondeu emocionada com um largo sorriso.

― E porque não abre para ver o que é? ― Indiquei, perplexo.

― Porque está coberto com este papel de embrulho tão bonito.

― Como o de um presente? ― Perguntei, tentando obter mais informações daquele objeto.

― Sim, isso mesmo, e de cor vermelha, um pouco vistoso demais para o meu gosto, e nota-se que tinha um laço, mas agora já só resta um pequeno pedaço ali colado.

― Mas, havia alguém lá quando o encontrou?

― Não, não, até fiquei com ele um pouco na mão enquanto me pus a observar, mas ninguém que passava por mim parou para o reclamar.

― E o que quer que eu faça? ― Perguntei um pouco confuso com a situação.

― Que me ajude a dormir.

― E com o embrulho? ― Insisti naquele detalhe.

― O que tem o embrulho?

― O que vai fazer com ele?

― Ah! Pois, não sei, vou deixá-lo onde estava. Acha que faço mal?

― Não, de maneira nenhuma, é que pensava que, como isso poderia ser a origem da sua insónia…

― Sim, diga… ― interrompeu-me, prestando muita atenção.

― Pois bem, se assim for, creio que tudo voltará à normalidade se se desfizer do embrulho.

― Acha que sim?

― Com certeza! ― Afirmei com convicção, embora no meu interior não tivesse tanta certeza.

A senhora olhou para mim com pena, como se aquela notícia lhe tivesse causado muita dor ao chegar ao coração.

― O que acha que devo fazer?

― Não sei, mas para resolver a situação, terá de o abrir.

― Ao embrulho?

― Sim, ao embrulho ― esclareci.

― Mas, como vou abrir um presente que é para outra pessoa?

― Se é você que o tem então ele nunca chegará ao seu destinatário, e provavelmente a pessoa já o deve ter dado como perdido ― comentei, tentando evidenciar o quão absurda era toda aquela situação.

― Prefiro que seja você a ficar com ele ― afirmou a mulher depois de pensar um pouco.

― O quê? ― Perguntei, surpreendido com a decisão da mulher.

― Sim, assim você poderá dizer-me o que é e voltar depois a embrulhá-lo, e eu deixá-lo-ei onde o encontrei. ― Respondeu com um sorriso nervoso.

― Mas se eu o abrir…

― Com muito cuidado ― interrompeu a mulher, com os olhos arregalados e um olhar penetrante.

― Sim, está bem, mas se eu o abrir, não perderá o seu encanto?

― Não, você vê o que tem no seu interior, diz-me o que é e depois volta a fechá-lo, tal como estava. Penso que assim já poderei dormir melhor.

Pessoalmente, não estava nada convencido que a solução fosse aquela, mas era óbvio que a senhora estava disposta a tomar-me o resto da tarde se não atendesse ao seu pedido.

Na verdade, nunca tinha passado por uma situação tão absurda e desconcertante como aquela. “Podia ela mesma abrir o embrulho sem necessidade de vir à minha consulta!”. Mas como queria dar o assunto por terminado, disse-lhe:

― Deixe-me ver esse presente!

A senhora retirou uma caixa branca com uma tampa vermelha, e um laço da mesma cor, de dentro de um saco de supermercado. “Realmente parece uma caixa de sapatos”, pensei para mim.

Retirei, com cuidado, o laço que ainda tinha e entreabri a caixa, de costas para a senhora, tal como me tinha pedido. Qual não foi o meu espanto ao ver o que continha no seu interior.

― O que vem a ser isto? ― Perguntei em voz alta, entre um tom de alarme e surpresa.

― São uns sapatos? ― Perguntou a senhora, ansiosa e emocionada.

― Não, é um anel de noivado e um convite para um espetáculo de balé.

― De balé? ― Perguntou a senhora, desiludida com as minhas palavras.

― É o que parece, além disso, tem uma dedicatória. “Embora não nos conheçamos ainda, tenho a certeza de que os nossos caminhos se cruzarão”.

― Não disse que era um anel de noivado? ― Ressaltou a mulher, tentando olhar por entre as mãos, pois tinha tapado os olhos para não ver o embrulho.

― Sim, porquê? ― Perguntei sem entender a sua expressão.

― Como pode ser um anel de noivado se não conhece a outra pessoa? ― Questionou a senhora.

― Não faço a mínima ideia! ― Eu disse desnorteado, sem saber se aquilo se tratava de alguma brincadeira ou algo do género.

Tudo me levava a crer que ninguém tinha perdido aquela caixa, mas sim, que a tinham deixado lá de propósito para que alguém a encontrasse. Uma espécie de “mensagem na garrafa”, como se lê nos livros. Mas o convite para o balé era o que mais me intrigava. Seria um encontro às cegas? Mas quem é que estaria disposto a ir a um encontro com alguém que nunca tinha visto?

― Que desilusão! ― Afirmou a senhora, preparando-se para abandonar a consulta. ― Esperar tanto tempo para isto.

― Bom, pense pelo lado positivo, agora que já sabe o que é, já vai poder dormir melhor. ― Afirmei com um sorriso forçado.

― Pois já! Mas se ao menos fossem uns sapatos, mesmo que não fossem o meu número ― protestou a senhora.

― Tome a sua caixa! ― Eu disse com a intenção de a devolver uma vez que já estava fechada tal e qual como estava antes.

― Não a quero. Que bela perda de tempo! Adeus ― concluiu a senhora, enquanto fechava a porta atrás de si.

Fui atrás dela, com a intenção de que voltasse para levar a caixa consigo e a colocar de volta no lugar onde a tinha encontrado, mas a senhora não quis mais saber do assunto, e metendo-se no elevador, fechou as portas de ferro e pressionou o botão para descer.

Aquela foi a última vez que vi aquela mulher estranha, que em vez de pedir ajuda para o seu problema de acumulação de lixo, tinha perdido o sono por causa de uma caixa, que só estava associada ao prazer.

“Boa, e eu a pensar que tinha acabado!”. Disse para mim próprio enquanto regressava ao escritório, sentindo-me satisfeito por ter feito uma boa ação por uma desconhecida. “Agora já pode dormir tranquila”.

Olhei pela janela do escritório quando o vistoso relógio de parede soou. “Caramba! Já é tão tarde”, pensei enquanto levava as mãos ao casaco para me certificar de que tinha as chaves do escritório.

“Agora sim terminei por hoje”, disse a mim mesmo enquanto olhava ao meu redor para me certificar de que estava tudo em ordem antes de deixar o meu local de trabalho, que era como uma segunda casa para mim. Se bem que, na verdade, passava mais tempo ali do que em casa.

Aquelas quatro paredes, carregadas de títulos e de livros, tinham-se tornado tão habituais, que às vezes nem sequer me dava conta de que ali estavam. Só quando alguma coisa estava fora do lugar, é que parecia que se tinha quebrado o ponto de equilíbrio da sala até que a voltasse a colocar no seu devido lugar.

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