Ela o olhava de volta, pensando.
Vamos logo. Pare de me encher com suas besteiras.
Um silêncio tenso tomou conta da sala.
- Dylan, comece a agir como um supervisor. Não me ligue a cada detalhezinho. Aprenda a cuidar do seu pessoal sozinho. E você - ele disse a Avery – é melhor parar com esse jeito idiota e com as atitudes de quem não está nem aí e começar a agir como se você se importasse, porque eu sei que você se importa. – Ele olhou para ela por um bom tempo. – Eu e Dylan ficamos te esperando por horas. Você quer desligar o rádio? Não atender o telefone? Isso te ajuda a pensar? Bom pra você. Faça isso. Mas quando seu superior liga, você tem que retornar. A próxima vez que isso acontecer, você está fora do caso. Entendido?
Avery assentiu, humildemente.
- Entendido.
- Entendido. – Dylan repetiu.
- Que bom – O’Malley respondeu.
Ele levantou-se e sorriu.
- Agora… Eu tinha que ter feito isso antes, mas não há hora melhor para apresentações. Avery Black, eu gostaria de te apresentar Dylan Connelly, pai divorciado de duas crianças. A esposa o deixou dois anos atrás porque ele nunca voltava para casa e bebia muito. Agora eles moram em Maine e ele nunca vê os filhos, então ele está sempre estressado.
Dylan endureceu-se e se preparou para falar, mas não disse nada.
- E Dylan… Apresento Avery Black, ex-advogada de defesa criminal que se fodeu ao libertar um dos piores assassinos do mundo nas ruas de Boston, um homem que voltou a matar e destruiu a vida dela. Ela perdeu um marido multimilionário e tem uma filha que quase não fala com ela. E, assim como você, ela geralmente desconta as mágoas no trabalho e no álcool. Você vê? Vocês têm mais em comum do que você pensava.
Ele voltou a ficar sério.
- Não me envergonhem de novo, ou os dois estão fora do caso.
CAPÍTULO OITO
Deixados sozinhos na sala de conferências, Avery e Dylan ficaram se olhando por alguns momentos em silêncio. Nenhum dos dois se movia. Ele estava de cabeça baixa, fazendo careta e parecendo estar refletindo sobre algo. Pela primeira vez, Avery sentiu simpatia por ele.
- Eu sei como é - ela começou a falar.
Dylan levantou-se rapidamente e colocou a cadeira com força de volta no lugar.
- Não pense que isso muda alguma coisa - ele disse. – Você e eu não temos nada em comum.
Ainda que suas expressões fossem de raiva e distantes, seus olhos diziam algo diferente. Avery tinha certeza de que ele estava à beira de um colapso. Algo que o capitão havia dito o afetou, assim como havia afetado ela. Os dois estavam fragilizados e sozinhos.
- Olha só - ela disse – Eu estava pensando…
Dylan se virou a abriu a porta. Seu movimento até a saída a fez confirmar o que ela imaginava: seus olhos vermelhos estavam cheios de lágrimas.
- Cacete! – Ela sussurrou.
As noites eram a pior parte do dia para Avery. Ela não tinha mais um grupo estável de amigos, nem hobbies, nem outro trabalho, e andava tão cansada que não conseguia nem pensar em fazer exercícios. Sozinha na mesa enorme, ela baixou a cabeça, temendo o que viria a seguir.
A saída do escritório foi como todos os dias, porém carregada com um sentimento estranho, e muitos oficiais ainda mais irritados com a capa do jornal estampando Avery.
- Ei, Black! – Alguém a chamou e apontou para o jornal. – Boa foto!
Outro policial tocou a imagem de Howard Randall.
- Essa matéria diz que vocês eram bem próximos, Black. Você entende de gerontofilia? Você sabe o que é isso? Significa que você gosta de foder com idosos!
- Vocês são hilários! – Ela sorriu e apontou os dedos em forma de arma.
- Vá se foder, Black.
* * *
Uma BMW branca estava estacionada na garagem. Cinco anos de uso, suja. Avery havia a comprado no auge de sua carreira como advogada de defesa.
Onde você estava com a cabeça? Pensou. Por que alguém compra um carro branco?
Sucesso, ela lembrou. A BMW branca, outrora, fora brilhante e chamativa, e ela queria que todo mundo soubesse que ela era a chefe. Agora, o carro era um lembrete de sua vida mal sucedida.
O apartamento de Avery era na Bolton Street, no sul de Boston. Ela era dona de um dois quartos no segundo andar de um prédio de dois andares. O lugar era decadente em relação à sua antiga casa, mas era espaçoso e agradável, com um bom terraço onde ela podia sentar e relaxar após um dia árduo de trabalho.
A sala de estar era um espaço aberto com um tapete marrom e felpudo. A cozinha ficava à direita da porta de entrada, separada do resto da sala por dois grandes móveis. Não havia plantas ou animais. Virado para o norte, o apartamento geralmente era escuro. Avery jogou suas chaves na mesa e se desfez do resto de seus pertences: arma, colete, walkie-talkie, distintivo, cinto, telefone e carteira. Ela se despiu no caminho para o banho.
Após pensar muito para processar o que havia acontecido no dia, ela vestiu um roupão, pegou uma cerveja da geladeira, seu telefone e foi até o terraço.
Quase vinte chamadas não atendidas estavam na tela do celular, além de dez novas mensagens. A maioria era de Connelly e O’Malley, muitas vezes gritando.
Às vezes, Avery ficava tão concentrada e focada em algo que se recusava a prestar atenção em qualquer coisa que não fosse essencial para sua tarefa, especialmente quando ainda havia um quebra-cabeça para ser montado. Hoje havia sido um desses dias.
Ela arrastou a tela para os últimos números discados e para todos os números que haviam ligado para ela no último mês. Nenhuma chamada era de sua filha ou de seu ex-marido.
De repente, ela sentiu falta dos dois.
Números foram discados.
O telefone tocou.
Uma mensagem respondeu: “Oi, aqui é Rose. Eu não posso atender agora, mas se você deixar uma breve mensagem com seu nome e número, eu retorno assim que puder. Muito obrigada.” Bip.
Avery desligou.
Ela considerou a ideia de ligar para Jack, seu ex. Ele era um bom homem, seu amor da faculdade, e tinha um coração de ouro. Um cara decente. Eles viveram um amor tórrido desde que tinham 18 anos, mas seu ego causado pelo trabalho dos sonhos havia estragado tudo.
Por anos, ela culpou outras pessoas pela separação e pela briga com sua filha. Howard Randall por suas mentiras, seu antigo chefe, o dinheiro, o poder, e todas aquelas pessoas que constantemente ela precisava entreter e barganhar para estar um passo à frente da verdade. Pouco a pouco, seus clientes se tornaram menos confiáveis, e mesmo assim ela quis seguir, ignorando a verdade, enganando a justiça de um jeito ou de outro, simplesmente para ganhar. Só mais um caso, ela dissera várias vezes. Da próxima vez, vou defender alguém realmente inocente e colocar as coisas em ordem.
Howard Randall havia sido aquele caso.
Eu sou inocente, ele dissera chorando na primeira reunião. Esses alunos são minha vida. Por que eu machucaria algum deles?
Avery havia acreditado nele, e pela primeira vez em muito tempo, ela havia começado a acreditar em si mesma. Randall era um professor de psicologia de Harvard mundialmente renomado, com seus 60 e poucos anos, sem razão ou passado conhecido de suas perturbadoras crenças pessoais. Mais do que isso, ele parecia fraco e acabado, e Avery sempre quis defender os fracos.
Quando ela o libertou, havia sido o auge de sua carreira, o ponto mais alto, até ele voltar a matar e transformá-la em uma fraude.
Tudo que Avery queria saber era: por que?
Por que você fez isso? Ela perguntara certa vez para ele no telefone. Por que você mentiu e armou para mim, simplesmente para ir para a cadeira pelo resto da vida?
Porque eu sabia que você se salvaria, Howard respondera.
Salvaria, Avery pensou.
Isso é se salvar? Ela pensou e olhou em vota. Aqui? Agora? Sem amigos? Sem família? Uma cerveja na mão e uma vida nova caçando assassinos que me fazem relembrar meu passado? Ela deu um gole na cerveja e balançou a cabeça. Não, isso não é se salvar. Pelo menos não ainda.