“Eu vi o corpo sem vida de Ian Harter, quatro anos, no dia seguinte a ser assassinado. Parecia estar a dormir com os olhos abertos. A morte tinha-lhe roubado toda a expressão e o seu rosto estava pacífico. Ainda assim, consegui discernir o terror nos seus olhos mortos. Os seus últimos momentos nesta terra foram momentos de um absoluto terror. Vi o mesmo no pequeno Nathan Betts.”
Riley ouviu as mães de ambas as crianças começarem a chorar. Ela odiava ter que trazer à tona aquelas memórias horríveis, mas não tinha outra hipótese.
“Não nos podemos esquecer do seu terror,” Disse Riley. “E não nos podemos esquecer que Mullins demonstrou pouca emoção durante o julgamento e nenhum sinal de arrependimento. O seu arrependimento veio muito, muito mais tarde – se é que é sincero.”
Riley respirou fundo.
“Quantos anos de vida foram retirados àqueles dois meninos se os juntarmos? Muitos, muito mais do que cem, parece-me. Ele foi sentenciado a trinta anos. Só cumpriu quinze. Não é suficiente. Nunca viverá o suficiente para compensar todos aqueles anos perdidos.”
Agora a voz de Riley tremia. Sabia que tinha que se controlar. Não podia desatar a chorar ou gritar de raiva.
“Será que chegou o momento de perdoar a Larry Mullins? Deixo isso ao critério das famílias das crianças. Esta audiência não tem nada a ver com perdão. Não é essa a questão essencial. A questão mais importante é o perigo que ele ainda constitui. Não podemos arriscar a probabilidade de mais crianças morrerem às suas mãos.”
Riley reparou que alguns membros do conselho olhavam para os seus relógios. Sentiu um ligeiro pânico. O conselho já tinha revisto dois outros casos naquela manhã e ainda tinham mais quatro até ao meio-dia. Estavam a ficar impacientes. Riley tinha que concluir imediatamente. Olhou-os diretamente nos olhos.
“Senhoras e senhores, imploro-vos que não concedam esta liberdade condicional.”
E ainda acrescentou, “Talvez mais alguém queira falar em nome do recluso.”
E sentou-se. As suas últimas palavras tinham uma dupla intenção. Ela sabia perfeitamente que ninguém falaria em defesa de Mullins. Apesar do seu “bom comportamento”, não tinha um único amigo ou pessoa que o defendesse no mundo. E Riley tinha a certeza de que não o merecia.
“Alguém deseja pronunciar-se?” Perguntou a Oficial.
“Só gostaria de acrescentar algumas palavras,” Disse uma voz vinda do fundo da sala.
Riley conhecia bem aquela voz.
Virou-se para trás e viu um homem baixo e entroncado em pé. Era Jake Crivaro – a última pessoa que esperava encontrar naquele dia. Riley estava simultaneamente surpreendida e deliciada.
Jake aproximou-se, disse o seu nome e dirigindo-se aos membros do conselho, disse, “Posso dizer-vos que este tipo é um grande manipulador. Não acreditem nele. Está a mentir. Não mostrou qualquer remorso quando o apanhámos. O que estão a ver é uma farsa.”
Jake dirigiu-se à mesa em que se encontrava Mullins.
“Aposto que não estavas à espera de me ver aqui hoje,” Disse com um tom de voz repleto de desprezo. “Não o perderia por nada deste mundo – seu grandessíssimo filho da puta assassino de crianças.”
A Oficial bateu com o martelo.
“Ordem!” Advertiu.
“Oh, peço desculpa,” Disse Jake de forma falsamente apologética. “Não era minha intenção insultar o nosso recluso modelo. Afinal de contas, ele agora está reabilitado. Ele é um filho da puta assassino de crianças arrependido.”
Jake limitou-se a ficar ali a olhar para Mullins. Riley estudou a expressão do homicida. Ela sabia perfeitamente que Jake estava a dar o seu máximo para provocar uma explosão da parte de Mullins. Mas o rosto do recluso permanecia impassível e calmo.
“Sr. Crivaro, sente-se, por favor,” Disse a Oficial. “O conselho já pode tomar uma decisão.”
Os membros do conselho, reuniram-se para partilhar as suas notas e pensamentos. Os seus sussurros eram animados e tensos. Entretanto, Riley nada mais podia fazer a não ser esperar.
Donald e Melanie Betts soluçavam. Darla Harter chorava e o marido Ross segurava-lhe a mão. Olhava de forma penetrante para Riley. O seu olhar era afiado como o gume de uma faca. O que pensaria ele do testemunho que ela acabara de dar? Consideraria ele que compensava o seu falhanço de há tantos anos atrás?
A sala estava quente e ela sentia a transpiração a escorrer-lhe no rosto. O seu coração batia ansiosamente.
Demorou apenas alguns minutos para os membros do conselho tomarem uma decisão. Um deles sussurrou qualquer coisa à Oficial. Ela voltou-se para todos os presentes.
“A liberdade condicional não é concedida,” Disse. “Vamos passar ao próximo caso.”
Riley ficou perplexa com a brusquidão da mulher, como se o caso não fosse mais do que uma multa de estacionamento. Mas de repente lembrou-se que o conselho estava com pressa de passar aos próximos casos que ainda tinham que analisar naquela manhã.
Riley levantou-se e ambos os casais se precipitaram na sua direção. Melanie Betts abraçou-se a Riley.
“Obrigada, obrigada, obrigada…” Não parava de dizer.
Os outros três juntaram-se à sua volta, sorrindo por entre as lágrimas e dizendo “obrigado” vezes sem conta.
Riley viu que Jake estava à parte no corredor. Logo que pode foi ao encontro dele.
“Jake!” Disse, dando-lhe um abraço. “Há quanto tempo!”
“Demasiado tempo,” Disse Jake com aquele sorriso de lado típico dele. “Vocês jovens nunca escrevem ou telefonam.”
Riley suspirou. Jake sempre a tratara como uma filha. E era bem verdade que ela não devia ter perdido o contacto com ele.
“Então, como tens passado?” Perguntou Riley.
“Tenho setenta e cinco anos,” Disse ele. “Tive que ser operado aos joelhos e à anca. Os meus olhos são fracos. Tenho um aparelho nos ouvidos e um pacemaker. E todos os meus amigos tirando tu já bateram a bota. Como achas que tenho passado?”
Riley sorriu. Tinha envelhecido muito desde a última vez que o vira. Mesmo assim, não parecia tão frágil como tentava aparentar. Tinha a certeza que era bem capaz de fazer o seu trabalho de antigamente caso fosse necessário.
“Bem, estou contente por teres conseguido dar o teu testemunho,” Disse Riley.
“Bem sabes que sou tão bem falante como aquele filho da mãe do Mullins.” Disse Jake.
“O teu depoimento ajudou imenso,” Disse Riley.
Jake encolheu os ombros. “Bem, gostava de o ter instigado mais. Adorava tê-lo visto perder as estribeiras à frente da comissão. Mas ele é frio e esperto. Talvez a prisão lhe tenha ensinado isso. De qualquer das formas, conseguimos uma boa decisão mesmo sem o fazer passar-se dos carretos. Talvez fique atrás das grades de vez.”
Durante alguns instantes Riley não disse nada. Jake olhou-a de forma curiosa.
“Há alguma coisa que eu não saiba?” Perguntou Jake.
“Temo que não seja assim tão simples,” Disse Riley. “Se o Mullins continuar a ter um bom comportamento na prisão, a libertação precoce poderá ser inevitável num outro ano. E nem eu, tu ou qualquer outra pessoa pode fazer o quer que seja para o impedir.”
“Meu Deus,” Disse Jake, parecendo tão zangado e amargo como no passado.
Riley sabia como é que ele se sentia. Era devastador imaginar Mullins em liberdade. A pequena vitória daquele dia parecia agora mais amarga do que doce.
“Bem, tenho que ir andando,” Disse Jake. “Foi bom voltar a ver-te.”
Foi com tristeza que Riley viu o seu antigo companheiro afastar-se. Ela compreendia porque é que ele não estava para alimentar sentimentos negativos. Não era a sua forma de estar. Riley fez questão de não se esquecer que tinha que entrar em contacto com ele em breve.
Riley também tentou ver o lado positivo do que tinha acabado de acontecer. Após quinze longos anos, os Bett e os Harter tinham-na finalmente perdoado. Mas Riley não ficou com a sensação de que merecia ser perdoada, não mais do que Larry Mullins.