Tenho para mim que encontrei a resposta no dia que a conheci pessoalmente, na sala de estar do seu apartamento em Buenos Aires. Ela era tudo isso: uma força descomunal saindo de um corpo pequeno, olhos brilhando e me olhando firme, um abraço silencioso que disse tanto. Eu, ali, entendi que Mercedes sabia que nem tudo precisava ser rasgo na alma, e que também podemos fazer revolução com doçura e leveza. Mercedes me trouxe uma calma que eu, honestamente, não imaginei que sentiria diante de tamanha lenda. Mercedes me olhou e me abraçou e me acolheu como quem entende o peso da história, o tamanho de sua contribuição para essa história. Me acolheu com respeito e com saudade. Me observou com generosidade. Mercedes, para mim, é toda essa complexidade que só uma mulher poderia ser. E ela me inspira justamente por isso. Me inspira a ser vida, a ser arte, a ser o olhar adiante. Me inspira a carregar a doçura e o rasgo na mesma alma feminina. Seja em meio à sombra, seja em meio à luz. Cheia, repleta, completa. Gigante!
Maria Rita, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2020
Mercedes Sosa e Maria Rita: Gracias a la Vida, ao vivo
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Introdução
FOI EM 4 DE OUTUBRO de 2009, quando sua morte foi anunciada no noticiário, que eu vi Mercedes Sosa pela primeira vez. Era um curto vídeo onde ela cantava Gracias a la vida em um show acústico na Suíça em 1980. A primeira coisa que me impressionou foi sua autenticidade. Eu podia sentir que ela era uma pessoa verdadeiramente íntegra. O que ela expressava parecia estar em completa sintonia com quem ela era. A intensidade e a firmeza em sua voz, o entoar de cada nota e de cada palavra pareciam refletir a minha alma. Sua sensibilidade, profunda paixão, presença marcante e carisma me emocionaram intensamente. Comecei a ver e ouvir Mercedes Sosa na internet e logo me vi completamente imersa em sua vida um universo de música e amor. Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu a assistia e ouvia suas músicas, e intuitivamente comecei a usar seus olhos como um espelho, refletindo aquilo que eu havia perdido na infância. Em seus olhos encontrei o olhar de uma mãe, um olhar que dizia: Eu vejo quem você é, e para mim você é maravilhosa.
Como a descoberta de Mercedes Sosa teve um impacto tão profundo e inquietante em mim, comecei a procurar por qualquer informação que conseguisse encontrar sobre ela. Logo descobri que não era só eu que me sentia revigorada e transformada em sua presença. Ao me aprofundar na vida de Mercedes, descobri que seus fãs muitas vezes se referiam a ela como uma presença mística. Isso despertou minha curiosidade em saber mais sobre sua vida pessoal a relação que tinha com a família, os fãs e os amigos, e também sobre os eventos que moldaram sua vida pessoal e profissional. Eu embarquei em uma jornada para descobrir o segredo por trás de seu enorme impacto e dessa tal presença mística.
O que descobri me afetou em vários níveis. Ver como Mercedes lidava com problemas sociais e políticos aumentou minha consciência social. Observar como ela se relacionava com os outros, fossem camponeses ou presidentes, amigos ou inimigos, me tocou profundamente e despertou em mim um desejo de me tornar mais respeitosa e compassiva, e prestar mais atenção aos outros.
Eu sou uma pessoa sensitiva e intuitiva, e sempre busco o melhor nos outros. Às vezes, quando encontro uma pessoa pela primeira vez, meu sexto sentido me diz que encontrei ouro. É uma sensibilidade que me permite sentir a essência de uma pessoa e ver de imediato sua beleza interior. Foi exatamente isso que aconteceu quando Mercedes Sosa apareceu em meu radar. Eu senti que tinha encontrado um tesouro, e quanto mais eu descobria sobre ela, mais convencida ficava de que tinha encontrado uma lenda.
Naturalmente, me interessava em conversar com outras pessoas sobre ela, então perguntava a quem quer que encontrasse se a conheciam, mas nunca tive uma resposta positiva. Perceber que ela ainda era uma figura anônima entre os falantes da língua inglesa, aliado à minha vontade de conhecê-la, aprender sobre ela e me conectar com ela, trouxe-me inspiração para escrever este livro. Lembro-me de estar sentada na escada do lado de fora de casa, olhando para as estrelas, quando essa ideia passou pela minha cabeça pela primeira vez, apenas um mês depois de sua morte.
Naturalmente, me interessava em conversar com outras pessoas sobre ela, então perguntava a quem quer que encontrasse se a conheciam, mas nunca tive uma resposta positiva. Perceber que ela ainda era uma figura anônima entre os falantes da língua inglesa, aliado à minha vontade de conhecê-la, aprender sobre ela e me conectar com ela, trouxe-me inspiração para escrever este livro. Lembro-me de estar sentada na escada do lado de fora de casa, olhando para as estrelas, quando essa ideia passou pela minha cabeça pela primeira vez, apenas um mês depois de sua morte.
Escrever este livro tem sido como montar um quebra-cabeça de mil peças, começando com apenas uma e sem saber como seria a imagem completa. Eu estava tão atraída por aquela única peça encontrada, que tinha que procurar pelas outras novecentos e noventa e nove. Eu sou uma pessoa empenhada e extremamente persistente, e o desafio de não ter acesso às fontes em espanhol só aumentou a minha motivação. Os primeiros quatro anos foram uma solitária jornada, já que eu não tinha ninguém com quem pudesse compartilhar minha paixão. Mas isso mudou em 2013, um ano depois de meu marido e eu termos nos mudado da Dinamarca para a Turquia.