Sabes, chorar é considerado algo muito masculino nas culturas de Kraska. Se bem que eles parecem os vossos crocodilos terrestres o Ali flutua acima de mim e observa como lido com os meus pensamentos, antes de fazer desaparecer a notificação. Vamos, rapaz!
Dá-me um momento murmuro.
Não vais mesmo chorar, pois não? pergunta o Ali, virado de cabeça para baixo, completamente aborrecido.
Não, não vou afirmo com confiança. Consigo sentir o sofrimento, se me concentrar nele. Tal como a maioria das minhas emoções, está silenciado, como se houvesse um cobertor pesado sobre uma coluna. Está ali, apenas difícil de aceder. É o suficiente para eu funcionar, pelo menos, no geral. Mas consigo perceber, mesmo assim, que o sofrimento se está a misturar com a maré de raiva em que vivo.
Raiva...
Ali, encontra algo para eu matar afirmo calmamente e levanto-me com a mochila na mão. Encontra montes de coisas para eu matar por uma vez, o Ali não me responde e faz o que lhe peço.
***
Está morto o Ali tenta apaziguar-me, quando dou uma última facada no esquilo-terrestre. Talvez tenha exagerado um bocadinho, o animal está desfeito. Ainda bem que a função de saquear não tem em consideração o estado do corpo da criatura e deu-me o prémio sem as feridas de faca bastante sórdidas.
Ali, como é que consigo uma arma melhor? observo a minha faca e a criatura. Felizmente, satisfiz os meus desejos de miúdo e escolhi uma faca de mato. Para dizer a verdade, era demasiado apenas para acampar, mas estava numa fase de Rambo quando a comprei. Agora, é a minha única arma. Bem, isso e uma lata de spray contra ursos.
Na Loja do Sistema. É num local seguro gerado pelo Sistema que, atualmente, só existe em Whitehorse. Mas vais ter de vender o teu saque para a conseguir, a não ser que ganhes alguns créditos do Sistema, algo que apenas os sencientes recebem o Ali continua a explicação. Ainda tens de deitar cá para fora os teus sentimentos?
Vamos sair daqui abano a cabeça, a raiva finalmente a acalmar. Não sei bem o que diz sobre mim, o facto de ter descarregado naquelas criaturas. Mas, por agora, vou evitar pensar nisso. Já vamos a meio da manhã e ainda não consegui fazer muitas mortes. Caçar está a tornar-se cada vez mais perigoso, uma vez que até as criaturas da Terra se estão a mutar a um ritmo mais acelerado, superando o meu nível e a minha faca patética.
Muito bem, miúdo, o mesmo de ontem o Ali faz sinal para o caminho e eu sigo as indicações dele.
***
Com a faca empunhada à minha frente, salto e atiro-me para baixo. O MFQ desativa-se no último segundo, quando enfio a faca na cabeça da lebre americana. Espero ter acertado em algo importante, visto que a lebre é do tamanho de um cavalo, mas muito mais larga. Ela vira a cabeça e é apenas um bocado de pelo que agarrei à pressa que me mantém em cima dele, enquanto lhe espeto a faca repetidamente na parte de trás da cabeça e do pescoço.
Um minuto depois, tinha feito estragos suficientes para a lebre cair, morta. Há alguns momentos, ela tinha finalmente conseguido tirar-me de cima dela, esmagando-me contra um pinheiro, partindo-me o ombro e fazendo-me soltá-la. Deitado no chão, cheio de dores, não consigo deixar de pensar porque teria o Ali insistido tanto para eu lutar contra a lebre. Dou voz aos meus pensamentos, enquanto os ossos regeneram e voltam ao sítio. Ao forçar-me a sentar debaixo de uma árvore e ao tirar outra barra de chocolate da mochila, sinto-me feliz por trazer sempre demasiado chocolate comigo.
Lebre? Achava que era um coelho o Ali olha com desagrado, flutuando por cima da criatura. Bolas! E eu que queria dizer: Não se passa nada, meu.
***
Baixa-te!
Deito-me no chão e sou atirado para o lado, quando a criatura vai contra a minha mochila. Estamos a descer a montanha a um bom ritmo, com o Ali a avisar-me da chegada de monstros. Rebolo, ficando frente a frente com uma bola de pelo raivosa com demasiados dentes. Enfio o bastão de caminhada na barriga dele e a criatura começa automaticamente a morder a vara de metal. Estou a fazer força, pregando a criatura ao chão, quando esta começa a sufocar.
Mexe-te!
Salto, soltando o bastão, quando outro monstro felpudo me ataca do outro lado. Estava demasiado focado em matar o primeiro. Ataco com a minha faca, cortando o pelo áspero e afasto-me aos tropeções, a agitar a arma desesperadamente.
À tua direita o Ali avisa e olho para a direita, usando as costas da mão para atacar o terceiro monstro Tribble. O golpe acerta-lhe e ele vai a rebolar pela colina. O segundo monstro aproveita a minha breve distração como um sinal para me morder a perna e eu grito de dor, espetando-o com a minha faca uma e outra vez, até ele me libertar.
Afasto-me, coxeando para onde o primeiro monstro felpudo continua a asfixiar e a tossir e mato-o, pisando a criatura repetidamente, até esta parar de respirar.
Atrás de ti outra vez avisa o Ali, já aborrecido.
Viro-me, levantando o braço a tempo de o deixar morder o meu antebraço, em vez da minha cara, e depois começo a esfaqueá-lo até à morte.
Bem, essa é uma forma de matar monstros. Tenta não os deixar morder tanto, na próxima luta o Ali salienta, prestavelmente, e eu olho furioso para ele, enquanto saqueio as bolas de pelo. A sério, cotão? É esse o meu saque? Cotão? Mas o que esperava de bolas de pelo? Atiro-as para o inventário com uma careta e começo a coxear em direção a um riacho que me lembro de ser aqui perto.
Lavo a minha roupa o melhor que consigo no riacho, com o Ali a vigiar, por cima de mim. Trabalho depressa, livrando-me da maior quantidade de sangue possível, sem encharcar demasiado a roupa. Quer seja de lã ou não, não deixa de estar molhada e o início de abril em Kluane significa que as temperaturas vão rondar os 6ºC à sombra. Enquanto me limpo, pergunto ao Ali algo que me tem incomodado. Ali, porque é que os monstros nunca te atacam?
Eles não me conseguem ver responde o Ali.
Franzo as sobrancelhas.
Mas naquela primeira vez...
Eu consigo tornar-me visível com algum esforço, mas não o consigo fazer durante muito tempo, pelo menos, ainda não o Ali faz uma pausa, virando-se para Este antes de falar. Está na altura de irmos, jeitoso. Vamos ter companhia.
Levanto-me depressa, sacudindo a água das minhas mãos e correndo devagar para Sudoeste, dando o meu melhor para ser o mais silencioso possível.
***
O sol já quase se pôs quando finalmente chego ao parque de estacionamento. O que deveria ter sido uma caminhada de meio dia transformou-se num tormento de dois dias. Não me surpreendo ao ver o que sobra do meu veículo queimado, apesar de o sibilo da palavra salamandra me dar uma ideia do que possa ter causado o problema. Ou daria, se eu soubesse o que é uma salamandra.
Um lagarto gigante com uma afinidade superior a magia de fogo. Respira mesmo fogo. Há quem julgue que são um tipo mais fraco de dragão explica o Ali. São boas e más notícias.
Explica murmuro, à procura de monstros na clareira.
Más notícias: vai em direção a Haines Junction o Ali aponta para o rasto bastante óbvio. Ao ver que não quebro o silêncio, suspira e explica as boas notícias. É provável que a presença dela afaste a maioria dos monstros do seu caminho. É mais seguro se a seguirmos. Isto, se ela não voltar para trás.