Isso poderia ser noventa por cento do Afeganistão.
Mas estes noventa por cento do Afeganistão nunca se pareceram com isto, Sharakova disse, apontando para os pinheiros muito altos.
Atrás dos elefantes vinha um comboio de carros de boi carregados com feno e grandes potes de barro cheios de grãos. O feno estava empilhado até o alto e amarrado com tiras de grama. Cada carro era puxado por dois bois pequenos, pouco mais altos do que um pônei Shetland. Eles trotavam em um bom ritmo, conduzidos por homens que caminhavam ao lado deles.
Demorou vinte minutos para que os carros de feno passassem. Eles eram seguidos por duas colunas de homens, todos vestindo túnicas curtas de diferentes cores e estilos, com saias de proteção de tiras grossas de couro. A maioria estava nu até a cintura, e todos eram musculosos e cheios de cicatrizes. Eles carregavam escudos feitos de pele de elefante. Suas espadas de dois gumes tinham cerca de sessenta centímetros e eram levemente curvadas.
Parecem durões, Karina disse.
Sim, Kady disse. Aquelas cicatrizes são de verdade?
Ei, sargento, Joaquin disse.
Sim?
Você notou que nenhuma destas pessoas tem o menor medo das nossas armas?
Sim, Alexander falou enquanto observava os homens passarem.
Eram cerca de duzentos soldados, e eles eram seguidos por outra companhia de combatentes, mas estes estavam a cavalo.
Eles devem estar gravando um filme em algum lugar lá na frente, Kady disse.
Se estiverem, Kawalski disse, conseguiram um monte de atores feios.
Eles viram mais de quinhentos soldados montados, que eram seguidos por um pequeno grupo de homens a pé, vestindo túnicas brancas que se pareciam com togas.
Atrás dos homens de branco vinha outro comboio. Os carros de duas rodas levavam grandes potes de barro, pedaços de carne crua, e dois vagões estavam carregados de porcos guinchando.
Um cavalo e seu cavaleiro vieram galopando da frente da coluna, no lado oposto da trilha do pelotão.
Ele está com pressa, Karina disse.
Sim, e está sem estribos, Lojab comentou. Como é que ele fica na sela?
Eu não sei, mas aquele cara deve ter um metro e noventa.
Provavelmente. E olha só aquela fantasia.
O homem vestia um peitoral de bronze gravado, capacete de metal com pelo vermelho de animal no topo, um manto escarlate, e sandálias extravagantes, com cordões de couro amarrados nos seus tornozelos. Sua sela era coberta por pele de leopardo.
Uma dúzia de crianças corria na beira da trilha, passando pelos carros. Eles vestiam sarongues curtos feitos de um tecido áspero e de cor morena, estendendo-se até os joelhos. Exceto por um deles, estavam nus acima da cintura e tinham a pele escura, mas não negra. Eles carregavam volumosas bolsas de pele de cabra, com tiras sobre seus ombros. Cada um segurava uma tigela de madeira em uma das mãos. As tigelas eram presas aos seus pulsos por um pedaço de couro.
Um dos meninos viu o pelotão de Alexander e foi correndo até eles. Ele parou em frente a Karina e inclinou sua bolsa para encher a tigela com um líquido claro. Com a cabeça baixa, e usando as duas mãos, ele estendeu a tigela para Karina.
Obrigada. Ela pegou a tigela e a levantou em direção aos lábios.
Espere, Alexander disse.
O quê? Karina perguntou.
Você não sabe o que é isso.
Parece ser água, sargento.
Alexander foi até ela, mergulhou o dedo na tigela, e tocou sua língua. Ele estalou os lábios. Tudo bem, dê um pequeno gole.
Não depois de você ter enfiado seu dedo aí. Ela sorriu para ele. Brincadeirinha. Ela tomou um gole, e então bebeu metade da tigela. Obrigada, muito obrigada, ela disse, e então e devolveu a tigela para o menino.
Ele pegou a tigela, mas ainda sem olhá-la; em vez disso, ele manteve os olhos fixados nos pés dela.
Quando as outras crianças viram Karina beber da tigela, quatro delas, três meninos e a única garota do grupo, se apressaram para servir água ao resto do pelotão. Todos eles mantinham a cabeça baixa, jamais olhando para os rostos dos soldados.
A menina, que aparentava ter cerca de nove anos, estendeu sua tigela para Sparks.
Obrigado. Sparks bebeu a água e devolveu a tigela para ela.
Ela o espiou, mas quando ele sorriu, ela jogou a cabeça para baixo novamente.
Alguém na linha de marcha gritou, e todas as crianças esticaram suas mãos, educadamente esperando as suas tigelas serem devolvidas. Assim que cada menino recebia sua tigela, corria de volta para seu lugar na trilha.
A menina correu de volta para seu lugar atrás do menino que havia servido água para Karina. Ele olhou de volta para Karina, e quando ela acenou ele levantou a mão, mas se deteve e voltou a correr ao lado da trilha.
Um grande rebanho de ovelhas passou, balindo e murmurando. Quatro meninos com seus cachorros as mantinham no caminho. Um dos cachorros um animal grande e preto com uma das orelhas arrancadas parou para latir para o pelotão, mas logo perdeu o interesse e correu para alcançar o grupo.
Você sabe o que eu acho? Kady perguntou.
Ninguém liga para o que você acha, cara de cicatriz, Lojab disse.
O que, Sharakova? Alexander olhou de Lojab para Kady.
A cicatriz de dois centímetros que corria pelo meio do nariz de Kady escureceu conforme seu pulso acelerava. Mas ao invés de deixar sua desfiguração amortecer seu espírito, ela a usou para encorajar sua atitude. Ela olhou para Lojab de uma forma que poderia esmorecer erva daninha.
Chupa essa, Lojab, ela falou, mostrou o dedo do meio e depois se dirigiu a Alexander. Isso é uma reconstituição.
Do quê? Alexander passou os dedos por cima de sua boca, disfarçando um pequeno sorriso.
Eu não sei, mas você lembra daqueles shows da PBS onde os homens se vestiam com uniformes da Guerra Civil e se alinhavam para atirar de mentira uns nos outros?"
Sim.
Aquilo é uma recriação de uma batalha de Guerra Civil. Aquelas pessoas estão fazendo uma reconstituição.
Talvez.
Eles tiveram muito trabalho para fazer dar certo, Karina disse.
Fazer o que dar certo? Lojab perguntou. Algum tipo de migração medieval?
Se é uma recriação, Joaquin disse, onde estão todos os turistas e suas câmeras? Onde está o pessoal da TV? Os políticos levando o crédito por tudo?
É, Alexander disse, onde estão as câmeras? Ei, Sparks, prosseguiu em seu comunicador, onde está seu Flappy Bird?
Você quis dizer a Dragonfly? o soldado Richard Sparks McAlister perguntou.
Sim.
Está na maleta dela.
O quão alto ela pode voar?
Mais ou menos mil e quinhentos metros. Por quê?
Mande ela para cima para vermos o quão longe estamos do Deserto de Registan, Alexander disse. Por mais que eu fosse adorar passar um tempo aqui e assistir ao show, nós ainda temos uma missão para completar.
Ok, Sargento, Sparks disse. Mas a maleta está na nossa caixa de armas.