José o pegou, surrado pelos golpes, enquanto o cavalheiro dizia:
- Eu realmente quase me mato. Como vamos chegar a um lugar habitado se mal consigo me mover?
- Senhor, irei ajudá-lo, mas será melhor curar suas feridas. Vou pedir ajuda ao eremita, caso ele conheça alguma erva ou tenha água com a qual você possa ser curado - respondeu José.
Após dizer isso e sem esperar pela resposta, ele subiu a montanha correndo e chamou o eremita. Ele chegou até onde esteve antes, mas ninguém saiu. Voltou a chamar e vendo que ninguém respondia, decidiu entrar na caverna e o fez chamando continuamente, mas sem obter resposta. E quando entrou o suficiente, descobriu que a caverna descia e se transformava em uma grande cavidade interna e que havia luz que saía das paredes. E tal foi a impressão que isso lhe causou, que ficou parado e não percebeu que o eremita estava na sua frente. Quando reagiu, ele disse o motivo da sua visita. E o eremita respondeu:
- Isso aqui - e com a mão apontou as maravilhas da gruta em que estavam é como seu interior, que por fora é uma montanha nua e por dentro tem uma maravilha, mas esta maravilha precisa sair para o exterior. Do que adiante o que você tem guardado se ninguém pode desfrutar? Mas não mostre esta maravilha aos porcos, mostre àqueles que podem vê-la e deslumbrar-se com ela. Eu lhe direi que tudo isso é obra do ALTÍSSIMO, que todo o ouro que um Rei possa ter não vale a metade da beleza aqui encerrada. Logo você vai conhecer a mulher que um dia será sua esposa e, mesmo que a conheça agora, também não poderá possui-la, pois ainda não nasceu.
José não entendeu e disse:
- Meu senhor, eu já a conheci quando era menino.
- Sim, assim como quando era velha e as duas são a mesma. E, no entanto, nenhuma das duas ainda tem vida pois não nasceram. Mas logo terá nascido e você irá conhecê-la. Digo tudo isso para que você compreenda que em relação as coisas do ALTÍSSIMO, só precisa fazer Sua Vontade, sem sequer pensar em compreendê-lo. E se você parar para fazê-lo, perderá o tempo e a oportunidade disse o eremita e ele continuou: - Você terá de fazer uma viagem em breve e irá parar em uma aldeia e em uma casa você pedirá água e as pessoas que irão atendê-lo serão os pais da sua mulher. Respeite-os e fale com eles que, apesar de serem pessoas simples têm dentro do si o ALTÍSSIMO e sabem quando estão diante DELE. Agora vamos cuidar do cavalheiro, mas não será uma cura fácil. Você terá de levá-lo com cuidado para sua casa. Ele vai mandar que você leve um recado ao Rei e você terá de fazê-lo. E é sobre esta viagem que eu falei o eremita concluiu.
Os dois desceram a montanha e pegaram o cavalheiro. Após cuidar dele um pouco, eles o colocaram com cuidado no cavalo e o rapaz o levou para casa. Eles levaram dois dias para chegar e quando o fizeram, colocaram o cavalheiro na cama e o homem disse ao pai de José:
- Preciso informar ao Rei!
E perguntou se ele poderia ir em seu lugar. O pai se recusou porque suas costas estavam incomodando, mas disse:
- Deixe que eu cuido disso e não há ninguém melhor do que o meu filho para informar ao Rei o que ele mesmo ouviu.
O cavalheiro concordou e decidiu-se que no dia seguinte José sairia para a Capital e embora o Rei não estivesse ali, deveria avisar na casa do cavalheiro para que viessem buscá-lo. Depois ele iria até onde o Rei estava, que era muito longe, em um lugar onde tinha uma fazenda em que gostava de ficar pois era fresco quando fazia calor.
José, com um bom cavalo e uma boa vestimenta, foi à procura do rei. Na Capital, ele deu o recado à família do cavalheiro e seguiu seu caminho. A noite o surpreendeu e ele chamou em uma casa, próxima a uma aldeia que não conhecia e pediu pousada. E disseram-lhe para entrar, apesar de não se dedicarem a fornecer pousada. Mas ele poderia passar uma noite em casa, pois o costume os obrigava a serem caridosos com aqueles que pediam corretamente. Quando entrou, ele percebeu que era a casa que o eremita havia indicado. Eles disseram:
- Meu senhor, somos pobres, mas honrados por isso em nossa mesa não existe muita comida e é possível que você não goste como é preparada, mas não podemos prepará-la de outra maneira.
E voltaram a servir aqueles ensopados que ele tanto gostou quando foi servido pela velha daquela casa. E assim que o viu e provou, ele se lembrou e não conseguindo se conter, disse:
- Está magnífico, como na outra vez.
E a mulher ficou olhando para ele e disse:
- Meu senhor, você já esteve aqui alguma vez para se lembrar do ensopado? Pois como você pode ver, não tem nada porque não temos nada. Está apenas cozido, são produtos do campo e só tem sal para temperá-lo e como molho, tem um pouco de azeite e de pimenta moída.
- No entanto, está magnífico! - disse José.
Depois serviram um frango e aconteceu a mesma coisa. Ele comentou como estava bom e a mulher voltou a dizer:
- Meu senhor, não tem nada de mais e só está cozido com sal e mais nada.
José notou que a mulher estava grávida e perguntou:
- Para quando é a criança?
- Falta pouco, mas precisamos fazer uma viagem até a casa de alguns parentes e é possível que nasça ali - ela respondeu.
Era costume que quando uma mulher fosse ter um filho se reunisse na casa de algum parente que cuidaria dela pelo tempo que fosse necessário, desde o parto até que ficasse em pé.
- Se você tivesse passado na próxima semana, não teria nos encontrado acrescentou o homem pois é a semana que tínhamos planejado reiniciar a viagem já que tem de ser a pé e pelo fato do parto estar próximo, leva-se muito tempo para chegar.
- Por que vocês não vão de carroça? - perguntou José.
- Senhor respondeu a mulher não temos nem carroça nem cavalo para puxá-la e também não podemos alugá-la pois não temos dinheiro. Além disso, é bom para as mulheres caminharem bastante quando chega a hora, porque isso nos fortalece e temos os filhos quase sem sofrimento. Portanto, não pense nisso e eles agradeceram pelo seu interesse.
José, querendo fazer algo por aquela família, disse:
- Eu gostaria de voltar para ver o que vocês tiveram, se um varão ou uma fêmea, para trazer um presente. Porque ele ou ela estão me servindo agora dizia isso pelo fato da mãe estar lhe servindo e a criança estar em seu ventre.
O homem riu da ideia de José e perguntou:
- Diga-me, pois eu não o conheço destas redondezas e você parece sério. Você conheceu a voz do ALTÍSSIMO?
José olhou para ele surpreso e os dois olharam para ele esperando pela sua resposta. José respondeu:
- Eu a conheci e a carrego dentro de mim, guiando meus passos.
- Estava esperando por isso! disse o homem já que eu também a tenho e ELE já havia me informado. Não queremos presentes pois algum dia você terá de nos presentear, mas de outra maneira. Agora dorme nesta cama e pela manhã cumpra sua tarefa. E mesmo que demore muito tempo para nos encontrarmos novamente, lembre-se que o ALTÍSSIMO sempre escolhe as pessoas, os lugares e as maneiras. E o homem só tem de obedecer para fazer sua Vontade.
O casal foi dormir no outro quarto e José ficou no cômodo em que comeu, pois, a casa não tinha outros. E ele dormiu maravilhosamente.
No dia seguinte, seguiu seu caminho, mas não sem se despedir deles calorosamente. E ele perguntou à mãe:
- Posso, por favor, segurar sua mão?
E não era comum que os homens tocassem as mãos das mulheres casadas. E ela, sem se surpreender, estendeu a mão. E quando José a segurou, sentiu o mesmo calor que havia sentido nas duas ocasiões anteriores. E isso encheu todo seu ser. Ele olhou nos olhos da mulher e viu que eram da mesma cor que viu naquela menina e naquela velha e pensou que tinha de ser assim porque é a mãe daquela que será minha mulher. E sem conseguir se conter, beijou a mão que tinha entre as suas. A mulher permitiu e retirou suavemente a mão. E olhando em seus olhos disse: